Análise — Metal Gear Solid Δ: Snake Eater

Análise — Metal Gear Solid Δ: Snake Eater – Um estonteante remake fiel entre reverência e limites!

O tempo é implacável com quase tudo, menos com as obras verdadeiramente atemporais. Metal Gear Solid 3: Snake Eater, lançado em 2004, é uma dessas raridades, um jogo que se consolidou como marco não só da série, mas da própria estética de Hideo Kojima. Em 2025, mais de duas décadas depois, Metal Gear Solid Δ: Snake Eater tenta reviver esse clássico com um remake que preserva cada detalhe e levanta uma questão incômoda: até que ponto a reverência ao original impede que o novo diga algo por si só?

Essa pergunta atravessa a experiência, ecoando na floresta onde Snake rasteja, nas lembranças de quem se emocionou com o dilema final e nos detalhes que o estúdio Virtuos, de Singapura, manteve inalterados. É irônico que o remake mais aguardado do catálogo da Konami em anos seja também um jogo que se recusa a ser atualizado. Δ é um paradoxo: uma reencenação milimetricamente retrabalhada na Unreal Engine 5 que não encobre o fato de que nada aqui foi escrito em 2025. Tudo já estava dito em 2004. Ainda assim, o resultado não soa como reapresentação ou nostalgia, mas como arqueologia digital.

Snake Eater sempre foi o capítulo mais preocupado em registrar os traumas da origem. A origem do mito de Big Boss, da FOX, do próprio universo Metal Gear, mas também da virada estética de Kojima: o momento em que a série trocou o thriller cyberpunk por um melodrama de espionagem com ecos de tragédia clássica. Tudo em Snake Eater remete a essa cena fundacional, como a selva opaca, a relação entre mentor e discípulo e o nascimento de um vilão que nunca desejou sê-lo. O resultado é um dos remakes mais impressionantes visualmente e, ao mesmo tempo, um dos mais conservadores da história recente dos videogames, oscilando entre homenagem reverente e uma recusa consciente de existir como algo além de memória cristalizada.

Anunciado em 2023, Metal Gear Solid Δ: Snake Eater surgiu já com a promessa de ser uma reconstrução fiel do clássico de 2004. A Konami destacou que a escolha recaiu sobre Snake Eater por ser o ponto de origem da saga e do mito de Big Boss. As vozes originais foram preservadas, mas o material sonoro foi apenas remasterizado, decisão motivada também pelo falecimento de parte do elenco japonês. A ausência de Hideo Kojima e Yoji Shinkawa foi confirmada desde o início, sinalizando a intenção de entregar uma adaptação tecnicamente atualizada, mas sem qualquer adição narrativa além do que já estava estabelecido no jogo original.

Metal Gear Solid Δ: Snake Eater não é, como o nome poderia sugerir, uma mutação, mas um simulacro: uma duplicação que busca parecer idêntica, mas que, ao fazê-lo, expõe diferenças mínimas e decisivas. Nesse gesto, o remake se afirma como uma encenação em alta definição daquilo que o original já era em estrutura, funcionando também como reflexão sobre o tempo, a cena, a lealdade e a forma como uma história muda conforme o clima em que é contada. Esse ponto se conecta diretamente à própria lógica da trilogia de Metal Gear Solid, que articula três conceitos centrais: Gene, Meme e Scene. O primeiro enfatiza a herança biológica e o papel do DNA, o segundo aborda a transmissão cultural de ideias e símbolos, e o terceiro introduz a noção de “scene”, o contexto histórico-social em que escolhas e identidades são moldadas. Nesse sentido, Metal Gear Solid 3 já explorava como a ação humana é inseparável do cenário político e cultural em que ocorre. Em Delta, essa noção ganha um novo contorno: não apenas pelos avanços técnicos ou pela performance de personagens como The Boss, mas também porque o jogador de hoje já não é o mesmo de vinte anos atrás. A cena mudou, e o remake reconhece isso com um respeito quase litúrgico.

O remake recupera a Missão Virtuosa, prólogo que antecede os eventos principais e estabelece o tom da narrativa. Situada em agosto de 1964, essa operação da CIA insere Naked Snake no território soviético através do primeiro salto HALO registrado em contexto militar. O jogador acompanha a descida em condições extremas, até a aterrissagem em Tselinoyarsk, palco inicial da infiltração. A missão apresenta as bases do sistema de sobrevivência que definirá a experiência: o tratamento de ferimentos, a camuflagem e a interação com a selva como ambiente hostil. Além de introduzir o time de apoio via rádio: Major Zero (sob o codinome Major Tom), a médica Para-Medic e, sobretudo, The Boss, mentora de Snake que retorna após anos de ausência. E se há um centro moral na narrativa de Snake Eater, é ela.

Sobre a história, Delta compreende que não se trata de recontá-la, mas preservar seu ethos, onde seu desfecho é o ponto axial a partir do qual o protagonista é destruído para ser refeito como antagonista da franquia. O remake não adiciona floreios desnecessários. The Boss encarna a contradição essencial do universo Metal Gear, cuja presença paira sobre cada decisão de Naked Snake, ou Big Boss em formação, e essa estrutura de mentor e discípulo é tão bem trabalhada no remake quanto era no original. A tecnologia, porém, permite que o olhar silencioso entre os dois seja mais prolongado, que a fisionomia carregue mais nuance e que os silêncios tenham ainda mais impacto.

O que define a experiência prática em Metal Gear Solid Δ é o compromisso em atualizar sem trair a lógica original. O jogo preserva a infiltração lenta, os combates improvisados e a sobrevivência na selva, ao mesmo tempo em que oferece controles e fluidez para o público atual.

O jogo apresenta dois modos de controle: o Estilo Novo e o Estilo Original. No Estilo Novo, há câmera livre, esquiva com rolamento, mira em terceira pessoa e a possibilidade de andar agachado. Isso aproxima Delta de jogos modernos de ação tática, como Metal Gear Solid V ou The Last of Us Part II, sem abandonar a tensão do stealth. Já o Estilo Original reproduz o esquema clássico de câmera fixa, visão sobreposta e filtros visuais do PlayStation 2. O remake, porém, recompõe essa estética com texturas em alta resolução, iluminação moderna e som 3D. Um reencontro para os veteranos nostálgicos. Além disso, o jogo traz mecânicas onde ele pode realizar ações contextuais com suavidade antes impossível: esconder-se em troncos ocos, rolar em arbustos ou usar a chuva para encobrir o som dos passos. A selva em Δ passa a funcionar mais como um ambiente responsivo do que no original.

O sistema de camuflagem, já inovador, também ganhou refinamentos. E o remake também inclui o retorno de Snake vs. Monkey (exclusivo de PS5 e PC) e sua novidade Snake vs. Bomberman (exclusivo do Xbox). Além disso, Guy Savage Δ marca a volta do minigame pesadelo originalmente escondido em Snake Eater. Agora reimaginado pela PlatinumGames, ele mantém a atmosfera sombria do original, mas com visual renovado e controles mais ágeis. Pode ser acionado como sequência de pesadelo durante a campanha ou desbloqueado como modo bônus após terminar a história. São experiências leves e simples, que não justificariam a compra, mas que divertem.

Em jogabilidade, Delta mostra como refinar sistemas antigos sem descaracterizar o núcleo, absorvendo as lições exitosas de MGS4 e MGSV, cujo resultado é um jogo que se move como o original aspirava, mas com a tecnologia atual. E se a jogabilidade é refinada, a ambientação visual e sonora busca reconstruir o clima da obra de 2004 com as ferramentas de hoje. O resultado impressiona, porém, em certos momentos soa estranho.

A reconstrução gráfica, feita na Unreal Engine 5, aposta no fotorrealismo e no detalhamento dos ambientes. A selva ganha densidade atmosférica, com umidade, insetos e vento que afetam a experiência. Δ preserva a iconografia da versão de PS2 em alta definição. As roupas de Snake, os rios lamacentos, os galhos quebrados, tudo está no mesmo lugar, só mais tátil. Essa fidelidade, no entanto, tem um preço. Os modelos faciais foram refeitos, mas as expressões não atingem o nível de títulos de ponta. Big Boss parece realista, mas envolto numa artificialidade. Isso porque Metal Gear Solid Δ às vezes parece mais como um remaster do que um remake, aplicando “apenas” uma skin modernizada em um motor produzido há mais de vinte anos.

O jogo também enfrenta alguns problemas de otimização. A performance varia drasticamente entre plataformas. O Xbox Series X, por exemplo, é quem entrega a experiência mais fluida, com desempenho próximo de 60 FPS, embora nem sempre estável. O PS5 sofre com quedas de performance significativas, especialmente no modo performance (60 FPS), chegando a oscilar entre 40 e até 30 FPS em cenas intensas. O modo qualidade (30 FPS), embora mais estável, apresenta problemas de frame pacing.

O caso do PS5 Pro é quase inexplicável: há momentos em que o console apresenta desempenho inferior ao PS5 base, um contrassenso técnico que evidencia uma má calibração para o novo hardware. Já o Xbox Series S sofre com perdas ainda mais agressivas: resolução inicial de 540p, visuais pixelados e ausência de qualquer modo 60 FPS. Mas nada que atualizações futuras não resolvam.

Outra crítica é quanto a IA inimiga, que já era limitada em 2004, e que se mostra inaceitável em 2025. Inimigos perdem Snake de vista com facilidade, mesmo após tiroteios intensos. Chegam a ficar parados enquanto são atacados ou confundidos por um som óbvio a centímetros de distância. Aqui, a questão do apego à fidelidade ao original não se justifica e se a intenção artística era manter propositalmente até as falhas do jogo original, deveriam colocar uma alternativa de IA modernizada, já que o problema original fala muito mais sobre o hardware do Playstation 2 do que sobre a liberdade criativa de Kojima. E é uma pena, porque os sistemas auxiliares estão mais robustos. O desempenho físico de Snake (como visibilidade, barulho e resistência) agora é exibido com mais clareza, e a transição entre camuflagens ficou mais intuitiva. O mesmo vale para o uso de equipamentos e chamadas via CODEC, que foram ajustadas para não interromper completamente o fluxo da jogabilidade. Mas quando o jogo é prejudicado por falhas de IA, esses aprimoramentos se tornam cosméticos.

Outro incômodo, porém totalmente compreensível, é a ausência de Hideo Kojima. Embora os créditos ainda o mencionem como criador, o que foi de grande respeito, a falta pesa, porque Metal Gear sempre foi mais do que um jogo, foi uma linguagem autoral que revolucionou os videogames ao introduzir uma narrativa cinematográfica profunda, com cutscenes e temas adultos, consolidando o gênero stealth e popularizando a ideia de evitar combate direto, tornando-se um marco cultural que elevou os games a experiências narrativas complexas e moldou gerações seguintes.

A ausência de Kojima se reflete na forma como o remake evita qualquer gesto ousado. Não há cenas novas, cortes alternativos ou expansões narrativas, como se viu em remakes de Resident Evil ou Final Fantasy VII. O jogo é um fac-símile. A fidelidade chega ao ponto de manter pequenos absurdos de design, como as rãs escondidas em locais inverossímeis ou camuflagens exageradamente eficazes. No original, isso funcionava como parte do humor do jogo. No remake, dependerá de quem jogar.

Por fim, Metal Gear Solid Δ: Snake Eater é um remake tecnicamente competente, que preserva com fidelidade o legado de um dos capítulos mais emblemáticos da série. Atualiza os controles, melhora a qualidade visual e oferece modos distintos de jogo. As adições como os minigames são interessantes, mas não alteram o núcleo. É um reencontro sólido para veteranos, principalmente os mais conservadores que revisitam o mesmo jogo trocentas vezes. Para novos jogadores, é uma porta de entrada eficaz que não revoluciona, mas cumpre bem sua função. E para um clássico como esse, isso já é muito.

Nota: 9,5

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