Death Relives — Análise
Há um acerto conceitual inegável em Death Relives. A proposta é trazer a mitologia mexica/asteca para o centro de um horror de perseguição em primeira pessoa e costurar tudo com um “e se?” histórico que reimagina o choque com os espanhóis. A ideia lembra um Resident Evil que troca a obsessão em aperfeiçoar o T-vírus por um mergulho em relíquias amaldiçoadas de ruínas mesoamericanas. Desenvolvido pela Nyctophile Studios, o jogo marca a estreia do estúdio no gênero e, apesar dos tropeços, demonstra uma ambição que vai além do convencional no horror de sobrevivência.
O jogo abre com um gancho cinematográfico clichê, em que Adrian e a mãe voltam para casa à noite quando encontram um corpo no meio da estrada. Ela sai para ajudar, ele fica no carro e assiste, impotente, enquanto a figura, que parecia morta, se levanta, a fere brutalmente e a arrasta até uma mansão próxima. A partir desse momento, a promessa é a de uma aventura de “dama em perigo” envolta em mitologia antiga, alternando presente e visões do passado, com participação de um herói ficcional chamado Yeden, conversas entre mortais e deuses e reviravoltas que tentam reposicionar o que víamos como certo.
Essa mansão, que serve de cenário principal, é formada por três andares distintos, cada um com enigmas e novos inimigos. Além do próprio Xipe Totec, um demônio de quase três metros, mortal em um só golpe e capaz de eliminar suas vítimas com “fatalities” brutais, há fantasmas e outras entidades flutuantes que entregam a sua posição. A progressão exige explorar os andares, resolver quebra-cabeças e evitar tanto o deus quanto seus asseclas, muitas vezes desviando de vidro quebrado e outros elementos que denunciam passos.
O arsenal é restrito, mas não inexistente. Adrian encontra uma pistola asteca capaz de abater fantasmas e, temporariamente, o próprio Totec. Há também um tipo de “véu fantasma”, que permite se esconder de alguns inimigos sobrenaturais e até matar furtivamente usando uma adaga cerimonial. Preso ao braço esquerdo, há um artefato vegetal que é uma espécie de “semente-bússola” que indica onde está o deus e onde se localizam objetivos da história. Essa bússola também integra o ciclo central do jogo, no qual matar Totec oferece alguns segundos de sossego, mas a semente começa a drenar sua vida. A solução é caçar um sacerdote fantasma, extrair seu sangue e injetar na semente para continuar vivo, o que também traz Totec de volta ainda mais resistente.
Esse ciclo de matar, se esconder, coletar e reviver tem um peso temático coerente com o mito de morte e renascimento, mas gera problemas práticos. Como a munição é escassa e o inimigo volta mais forte a cada vez, o incentivo real é quase sempre se esconder. Há ainda um mini-jogo rítmico para prender a respiração durante as perseguições, mas ele é tão simples que dificilmente falha, o que esvazia a tensão. Uma vez que você aprende os padrões do monstro, o medo dá lugar à rotina.
A própria ambientação sofre com isso. Apesar de a mansão ser imponente por fora, os interiores soam claustrofóbicos e pouco oferecem espaço de manobra. As mortes baratas são frequentes e a frustração ensina rápido a salvar com frequência. O jogo permite desativar jumpscares, mas aqui o recurso já é fraco, pois se resume a um som alto seguido de uma imagem inexistente, sem peso real. Melhor desligar.
No meio dessa perseguição constante, há tentativas de contar a história por meio de cartas e diários opcionais, mas boa parte do enredo é entregue em projeções holográficas com vozes narrando a origem de Totec. Isso ajuda a situar o jogador, embora a cena de Adrian parado assistindo hologramas possa soar forçada ou deslocada.
O aplicativo complementar, que é outro diferencial no papel, merece um comentário à parte. Ele simula o celular de Adrian, com mensagens, redes sociais, fotos desbloqueadas por senhas encontradas no cenário e até interação com um “pai-IA” para dar dicas. Quando funciona, amplia a imersão. No entanto, há QR codes que não aparecem nem no menu de pausa, o que quebra a proposta. Além disso, há também o uso de imagens geradas por IA, o que destoa da tentativa de criar um elo verossímil com o mundo real.
Tecnicamente, a instabilidade prejudica bastante. Há bugs de IA, crashes frequentes, otimização fraca e alguns elementos que denunciam acabamento apressado. Entre eles, a tela inicial que ainda apresenta o ano de 2024, mesmo no lançamento. Modelos de baixa resolução, animações pouco expressivas e atuações insossas que enfraquecem a entrega.
O ritmo da campanha também é irregular. Pode chegar a 6 ou 7 horas para quem joga no modo mais difícil e explora, mas há relatos de que é possível terminar em 2 ou 3 horas se você avançar direto. O final é anticlimático e não compensa o desgaste da perseguição constante.
No saldo, Death Relives é um projeto de estreia que alterna lampejos de originalidade e peso temático com execução desigual. Funciona melhor como conceito do que como horror efetivo. Quando conecta mito, atmosfera e enigma, há bons momentos. Quando se ancora apenas no ciclo de perseguição, torna-se cansativo. Vale pela curiosidade e pela ambientação pouco explorada, mas a recomendação mais segura é esperar por promoções ou por atualizações que melhorem a estabilidade.
Para quem experimentar agora, vale escolher a dificuldade com cuidado, já que não é possível mudar depois, ajustar jumpscares de acordo com a preferência e entrar sabendo que o maior inimigo do jogo talvez não seja o deus que persegue, mas o próprio design que insiste em repetir a mesma nota.