Everybody’s Golf: Hot Shots – Análise

Everybody’s Golf: Hot Shots estreia multiplataforma mantendo alma japonesa

 

É curioso como um jogo de golfe pode ser, ao mesmo tempo, absurdamente tradicional e completamente fora da curva. Everybody’s Golf: Hot Shots, título que marca a retomada de uma das franquias japonesas mais longevas e queridas do gênero, não tenta reinventar nada e, justamente por isso, acerta. Com quase três décadas de existência, a série ressurge com uma troca de estúdio, estreia multiplataforma e a saída definitiva da sombra da Sony. Mas essa transição, que poderia significar um trauma, aparentemente não afeta em nada os fãs da franquia. Sai Clap Hanz, entra HYDE. Sai Sony, entra Bandai Namco. E, com tudo isso, o jogo permanece exatamente como deveria ser, sem perder aquilo que o mantém vivo: seu carisma meticulosamente infantilóide e sua estranha capacidade de se levar a sério justo quando parece mais bobo.

Criada originalmente por Masashi Muramori no estúdio Camelot (o mesmo de Mario Golf), Everybody’s Golf surgiu em 1997 e explodiu em popularidade, especialmente no Japão. Posteriormente, Muramori fundou a Clap Hanz, que levou a franquia adiante até a entrada da HYDE com este novo título. No Japão, a série sempre foi conhecida como Minna no Golf, com mais de 14 milhões de cópias vendidas mundialmente até 2017. Nos EUA, foi comercializada como Hot Shots Golf, com mudanças tanto de conteúdo e estética para atrair o público ocidental, principalmente durante a era PS1 e PS2, quando chegou a vender mais de 2 milhões de cópias em alguns títulos.

A nova versão marca sua estreia também no Nintendo Switch e PC, levando consigo o estilo cartunesco, os personagens cabeçudos, a paleta colorida e o senso de humor exagerado que beira o slice-of-life. Tudo isso segue intocado. Há aqui uma clara reverência ao legado como quase um medo de mexer demais. Mesmo os visuais, que flertam com o desatualizado em alguns momentos, cumprem sua função estética, sendo agradáveis, leves e consistentes com a identidade da série. As texturas não impressionam e podem deixar a desejar a nova geração fissurada em gráficos. Além disso, os nomes dos campos são genéricos (pra evitar problemas de licenciamento), e os menus mantêm um visual estilizado, mesmo que limitado tecnicamente.

O que mantém Hot Shots relevante é o seu sistema de jogo. O clássico esquema de três botões, força, precisão e impacto, continua firme, intuitivo e viciante. A física não busca ser realista, mas é convincente o bastante para sustentar o desafio, já que o vento interfere, o terreno engana e o tipo de taco realmente faz diferença. Existe uma lógica física quase cartunesca que exige atenção, mantendo o jogo acessível sem ser simplório e desafiador sem se transformar em um simulador cheio de comandos. O iniciante consegue se divertir logo na primeira partida, enquanto quem deseja dominar o jogo precisa aprender a ler curvas, calcular o clima e ajustar cada tacada. A prática é sempre recompensada, mas nunca de maneira cruel, pois o jogo prefere convidar o jogador a errar com estilo.

O modo campanha, chamado World Tour, organiza a progressão single player. É nele que os personagens aparecem primeiro como adversários e depois se tornam jogáveis, sempre acompanhados de cutscenes opcionais, dublagens teatrais e um roteiro que oscila entre o carismático e o bizarro. Aile, com seu otimismo ensolarado, e Mitzuki, marcada pela melancolia crônica, exemplificam bem os contrastes internos. Dino, por outro lado, com uma dublagem estereotipada que mistura sotaques forçados e frases sem sentido, mostra o ponto em que o carisma pode dar lugar a vergonha alheia. Ainda assim, há uma tentativa consistente de dar alma aos personagens, e isso acaba tendo mais peso do que parece.

O modo principal é o Desafio, inspirado no Challenge Mode clássico da série, que organiza os confrontos em níveis com partidas contra chefes. Além dele, há opções como Tour Mundial, que traz minihistórias individuais, Stroke Play, voltado para a rodada tradicional, Match Play, com duelos um contra um, e Solo Round. O destaque fica para o Wacky Golf, onde a lógica esportiva é suspensa por um delírio lúdico: tornados puxam a bola para o buraco, animais em pânico atravessam o campo, explosões surgem do nada. Tudo isso transforma o jogo numa comédia de erros controlados. Não é justo, não é equilibrado, e é justamente isso que o torna divertido. Pena que o esperado modo minigolfe ficou de fora, assim como a ausência inexplicável de crossplay, o que prejudica o alcance da recém-adicionada modalidade World Tournament com ranking global.

O jogo oferece uma grande quantidade de personagens jogáveis, muitos deles recuperados de títulos anteriores da série como Hot Shots Golf 2, 3, Fore!, Out of Bounds e World Invitational, além de novidades como Aile, Mizuki, Gangol, Lilith e Ekaterina. Até Pac-Man aparece como personagem extra liberado por pré-venda, em uma clara referência aos fãs da Bandai. O elenco de caddies também é amplo, com opções como Hannah, Hugh, Arcana e Rune. Já os campos de golfe vão de Highland Country Club a Great Elephant Golf Course, somando pelo menos dez cenários que variam no estilo visual e nos desafios climáticos e topográficos, fatores que influenciam diretamente a física da bola.

O motor gráfico não impressiona e pode soar datado, mas cumpre bem a função com leveza. Os cenários têm identidade própria, mesmo com texturas simples, e preservam o estilo colorido e ensolarado que marca a franquia. As críticas pela falta de avanços tecnológicos fazem sentido, mas dentro da proposta o jogo entrega o que sempre prometeu. Hot Shots não é raso. O jogo oferece centenas de roupas, equipamentos que afetam atributos, variações climáticas, campos secretos, itens cosméticos e forte personalização dos personagens. A progressão é constante e as recompensas em dinheiro virtual são generosas, sem exigir grind excessivo. Tudo gira em torno da ideia de continuidade. A troca de estúdio não mudou a essência, apenas manteve o rumo. A chegada a novas plataformas não marcou uma nova era, apenas ajustou a moldura.

 

No fim das contas, Everybody’s Golf: Hot Shots continua sendo o que sempre foi. Ele não exige do jogador a seriedade do esporte que representa e, pelo contrário, convida todos a jogar como se fosse a primeira vez, com leveza, humor e um carisma raro em jogos esportivos.

O resultado é um capítulo de transição, mas um capítulo bem escrito. O jogo não reinventa o golfe digital nem a série Everybody’s Golf, mas a reposiciona com naturalidade para um novo ciclo multiplataforma, ainda caricato e ainda funcional. Para quem chega agora, há um pacote divertido e completo. Para quem acompanha a série há anos, pode haver algum desgaste nas piadas e na estrutura. Mesmo assim, é inegável que Hot Shots continua sabendo o que faz e, mais importante, por que ainda faz.

Nota 9,0

 

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