Ninja Gaiden: Ragebound – Análise

Ninja Gaiden: Ragebound – Análise

Ninja Gaiden: Ragebound marca a volta da franquia ao plano 2D depois de mais de três décadas desde a trilogia original no NES. O novo título é desenvolvido pela The Game Kitchen, estúdio responsável por Blasphemous, e publicado pela Dotemu, conhecida por revivals como Streets of Rage 4 e TMNT: Shredder’s Revenge. Não se trata de um remake ou uma sequência direta, mas de uma releitura moderna da fórmula clássica, com foco em precisão, velocidade e estrutura tradicional em fases. O resultado é um jogo tecnicamente sólido, com alguns acertos consistentes, mas também com algumas limitações.

A primeira impressão ao colocar as mãos em Ninja Gaiden: Ragebound é que trata-se de um retorno técnico às origens da franquia, com o cuidado em honrar um nome que, desde os tempos do NES, moldou o imaginário do ninja digital como sinônimo de desafio extremo e injusto, agilidade e uma estética marcada por violência estilizada. Mas o novo título da The Game Kitchen não se resume a mera formalidade nostálgica, pois Ragebound é, acima de tudo, uma proposta em ser menos uma explosão criativa do tipo “autoral”, e mais uma reconstrução artesanal e tecnicamente meticulosa da fórmula clássica, pensada para um público que já não aceita controles imprecisos ou dificuldade arbitrária como prova de legitimidade retro. Convenhamos, a jogabilidade da famosa trilogia de Ninja Gaiden no Nintendinho envelheceu demais.

O desenvolvimento de Ragebound foi conduzido pela The Game Kitchen com a ideia de criar um jogo que respeitasse os pilares do Ninja Gaiden clássico, mas atualizado para os padrões e expectativas do público moderno. Em entrevista, o diretor David Jaumandreu destacou que o foco era entender o que tornava os jogos originais icônicos tanto em gameplay, como em dificuldade e ambientação, e, a partir disso, modernizar esses elementos sem descaracterizá-los. A equipe optou por não simular diretamente a estética 8-bits, mas sim aproveitar o potencial das plataformas atuais para entregar uma pixel art rica e detalhada, inspirada por animes dos anos 90. Mais do que um “jogo retrô”, Ragebound foi pensado como um título contemporâneo que se apoia em fundamentos clássicos. A animação dos sprites foi construída com atenção à fluidez e à responsividade, buscando replicar a sensação ágil e precisa dos títulos 3D da série. Também houve um esforço deliberado para tornar o desafio justo, com checkpoints bem distribuídos, combate direto e acessível, e um ritmo de aprendizado aceitável.

A história de Ragebound se passa em paralelo aos eventos do Ninja Gaiden de 1989, enquanto Ryu Hayabusa viaja aos Estados Unidos para cumprir o testamento do pai. Durante sua ausência, o selo entre os mundos é rompido, permitindo que demônios invadam a vila Hayabusa. Cabe então a Kenji Mozu, jovem ninja treinado por Ryu, assumir a defesa do território. A virada ocorre quando Kenji, em desvantagem, se vê obrigado a recorrer a uma aliança com Kumori, uma guerreira sobrevivente do clã rival Aranha Negra, fundindo sua alma à dela. Obviamente, a relação entre os dois é marcada por desconfiança, embates morais e todo aquele clichê de rivalidade. Apesar de não apresentar nada de novo, oferece estrutura suficiente para sustentar a jornada e criar momentos de tensão narrativa pontuais.

O sistema de combate é um dos pontos mais fortes do jogo. Dois movimentos principais definem o ritmo da ação: um, que permite ataques acrobáticos ao saltar sobre inimigos e projéteis, e o outro, uma espécie de golpe instantâneo ativado ao derrotar inimigos com aura especial (azul para Kenji, rosa para Kumori). A estrutura de fases é pensada em torno disso, então são habilidades que serão usadas a todo instante. Curiosamente, são elementos que não estão presentes, nem possuem algo similar no Ninja Gaiden original.

A jogabilidade é rápida e responsiva, indo contra aos controles medíocres da trilogia 8-bits dos anos 90, ou seja, isso é ótimo. Kenji e Kumori têm estilos distintos, mas se complementam bem. Kenji é focado no corpo a corpo, enquanto Kumori oferece recursos de combate à distância com kunais e armas secundárias. Ao longo da campanha, o jogador alterna entre controlar diretamente cada um ou usar habilidades combinadas.

Ragebound adota uma estrutura clássica baseada em missões, com fases fechadas e objetivos específicos. Algumas dessas fases incluem variações interessantes, como perseguições em motos, fugas com jet skis ou seções de plataforma com tempo limitado no “plano demoníaco” de Kumori. Esse tipo de variedade garante cerca de 5 a 12 horas de campanha (dependendo da dedicação com segredos e rank S), mas nem sempre entrega memorabilidade visual. Vários trechos de cenário acabam sendo um pouco genéricos, principalmente quando comparados ao trabalho anterior do estúdio em Blasphemous. A pixel art é indiscutivelmente competente, as animações são fluidas, os efeitos de combate têm impacto e há um bom uso de cores para diferenciar planos, ataques e status. Porém, a direção de arte não apresenta uma identidade marcante. Os cenários, embora bem acabados, carecem dessa originalidade esperada. O “reino dos demônios”, por exemplo, tem proposta funcional, mas não se destaca esteticamente.

Em muitos trechos, a sensação é de déjà vu, com florestas, cavernas e vilarejos destruídos sem grande inventividade nos layouts ou arquitetura. A ambientação, especialmente nos estágios inspirados em cultura japonesa, não consegue atingir o mesmo grau de detalhe e personalidade visto em outros títulos do gênero. Ainda assim, é um jogo muito bonito e tecnicamente bem resolvido.

O sistema de progressão é bem estruturado. Cada fase oferece colecionáveis, objetivos secundários e uma pontuação baseada em desempenho, incluindo velocidade, uso de habilidades, morte sem dano, entre outros critérios. Esses elementos alimentam a rejogabilidade e é o maior trunfo de Ragebound. Há também uma loja com talismãs e armas que modificam a jogabilidade, exigindo do jogador a escolha de um estilo específico para cada missão. Apesar do número de talismãs ser grande, apenas dois podem ser equipados por vez, o que limita a personalização, mas incentiva a experimentação em runs posteriores.

O jogo também acerta em não punir de forma gratuita. Há checkpoints bem distribuídos e uma clara tentativa de equilibrar o desafio com acessibilidade, sem perder o espírito da série original, conhecida por sua exigência. Ainda que os combates finais não sejam tão longos quanto os de outros títulos mais punitivos, a sensação de conquista permanece intacta, especialmente diante da coreografia intensa que se exige dos jogadores em níveis mais avançados.

O jogo oferece desafios adicionais após o término da campanha. Um modo difícil é liberado, com inimigos remixados, novos padrões de ataque e armadilhas inéditas. Também há missões especiais opcionais, que ampliam a dificuldade e oferecem recompensas para quem busca domínio total do sistema. As lutas contra chefes são destaque, com boa variação e exigência de leitura de padrão. Ainda que não sejam extremamente difíceis, exigem atenção e uso inteligente das habilidades adquiridas. É outro grande trunfo de Ragebound.

Em termos de música e ambientação sonora, Ragebound se destaca. A trilha sonora combina influências tradicionais japonesas com ecos da era 8-bits e arranjos modernos, mantendo o ritmo da ação sempre presente sem se tornar repetitiva. As cutscenes animadas ajudam a pontuar emocionalmente alguns momentos da trama, ainda que jamais assumam protagonismo, como as tão impressionantes cutscenes surgidas na trilogia Nintendo. A direção de arte, portanto, funciona como um todo coeso, mesmo que não atinja o nível de evocação estética que alguns esperavam da The Game Kitchen.

Em parte, Ragebound “sofre” (em aspas) por sua própria cautela. A sensação generalizada, inclusive em parte das primeiras críticas, é que o jogo não arrisca: ele é seguro, competente, respeitoso, mas raramente surpreendente. Falta-lhe, talvez, aquela centelha criativa que transforma um jogo excelente em algo inesquecível. É como se a excelência técnica e o respeito à franquia tivessem freado qualquer impulso de radicalidade estética ou mecânica, por mais que no caso desse último, o título trouxe novidades, ainda que simples. O resultado é uma obra impecável no que se propõe, mas que pode escapar da memória tão rápido quanto conquistou o controle.

Ainda assim, o veredito é amplamente positivo. Ninja Gaiden: Ragebound é uma aula de como revisitar um clássico com respeito e modernização, sem cair na armadilha da nostalgia vazia ou numa onda de remakes e remasterizações. Ao mesmo tempo, é um lembrete dos limites do domínio técnico quando a centelha da ousadia criativa não se acende por completo. Ragebound não redefine o gênero nem surpreende em termos de direção criativa, mas é consistente e agradável de jogar do começo ao fim. Para os fãs de ação 2D, o jogo é uma recomendação certeira. Para os que buscam revolução ou ruptura, talvez seja apenas uma homenagem, impecável, mas contida, a um passado glorioso.

Nota 9,0

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