Cronos: The New Dawn – Análise

Cronos: The New Dawn entrega sobrevivência tática e silêncio funcional em um sci-fi rigoroso e competente

Cronos: The New Dawn é o novo projeto da Bloober Team que busca posicionar-se como uma entrada autoral no gênero survival horror, apoiando-se em uma atmosfera opressiva, decisões morais difíceis e sistemas de progressão exigentes. Apesar de ser apresentado como um título de terror e sobrevivência, Cronos: The New Dawn constrói seu universo narrativo com uma densidade rara no gênero. O pano de fundo é uma Polônia alternativa dos anos 1980, devastada por um evento conhecido apenas como “a Mudança”. Esse cataclismo alterou drasticamente o curso da história e remodelou a própria biologia do mundo: os seres humanos que sobreviveram à Mudança foram mutados a ponto de se tornarem irreconhecíveis, fisicamente deformados, mas também despidos de qualquer humanidade perceptível. É contra essa paisagem apocalíptica que o jogo se desenrola, com o jogador assumindo o papel de ND-3576, uma “viajante” a serviço do Coletivo, uma organização enigmática e autoritária, e que exige atenção constante do jogador tanto na navegação quanto na compreensão narrativa.

A protagonista ND-3576 é uma viajante que percorre os escombros do mundo em nome desse “Coletivo” e sua missão principal é localizar ND-3570, uma viajante anterior desaparecida, remediando os erros do passado como parte de uma vocação assumida por seu grupo. A história, apesar de linear, é permeada por camadas simbólicas e filosóficas, com temas que vão da culpa histórica à doutrinação, passando por reflexões sobre resistência, sacrifício e niilismo. Mas o jogo raramente premia o jogador com revelações explícitas e a maior parte da exposição se dá de forma ambiental, com pistas visuais, documentos encriptados e ruínas soterradas de uma civilização esteticamente perdida.

A progressão narrativa está menos centrada em reviravoltas e mais na construção de um sentimento de decadência e culpa histórica. Mesmo as memórias da personagem predecessora, ND-3570, são reveladas aos poucos, criando uma sensação constante de dúvida, como se a jornada estivesse sendo guiada mais por instinto e protocolo do que por qualquer outra coisa. Os temas trabalhados envolvem propaganda, sacrifício, isolamento, corrupção institucional e desumanização, mas as opções morais oferecidas durante aparecem sem consequências visíveis imediatas e revelam-se mais como testes éticos do que como bifurcações narrativas.

O sistema de movimentação é limitado. ND-3576 não corre e sua locomoção é restrita a um ritmo lento e deliberado, consequência do traje utilizado, que a impede de qualquer movimentação além de um leve trote. Essa limitação física força o jogador a manter atenção redobrada ao cenário, transformando a simples travessia de um corredor em um exercício de tensão constante ou de paciência para os mais apressadinhos.

Esse ritmo pausado se complementa com o uso econômico de recursos. Balas são escassas, itens de cura são raríssimos, e o uso do lança-chamas, embora eficiente para impedir mutações, exige um gerenciamento cuidadoso de carga, com o jogador podendo carregar no máximo uma ou duas unidades de combustível por vez. A gestão do inventário torna-se uma mecânica central, onde cada espaço é precioso, e decidir o que levar ou deixar para trás pode determinar o sucesso ou fracasso de uma sequência inteira. Mas acaba sendo um jogo que mais exige do gerenciamento de itens do que das altas habilidades em combate. E não porque estes são fáceis, mas sim por serem preferíveis o desvio e fuga deles, ou ainda a repetição teimosa da melhor performance diante de um combate inescapável, através do carregamento da partida. Trapaça ou não, uma hora o jogador será tentado a isso, tudo em prol da economia desesperada desses recursos.

Os inimigos principais são mutações grotescas e agressivas que surgem com frequência crescente. O combate contra eles é difícil por definição, visto que as munições, como dito, são escassas e os inimigos são rápidos, fazendo o pânico interferir diretamente na precisão dos tiros. O jogo penaliza desperdícios e recompensa cautela. Acaba que talvez fugir seja melhor, ainda mais que alguns inimigos possuem uma IA apelativa e ignorante só em seu raio de ação. Saiu de certa área, como uma porta, ela te ignora (às vezes).

A progressão ocorre por meio de três elementos principais: os núcleos que aumentam vida e espaço no inventário; núcleos para armas, que ampliam capacidade de munição e eficiência; e fontes de energia, coletadas em bancos, câmeras e dispositivos do mundo, que funcionam como moeda de troca para evolução. A obtenção desses recursos, no entanto, depende da capacidade do jogador em explorar minuciosamente o mapa, já que muitos upgrades estão escondidos de forma quase críptica nos cantos mais escuros e imprevisíveis do cenário.

Aliás, ao derrotar inimigos, o jogador precisa eliminar seus corpos rapidamente, geralmente com o lança-chamas, para impedir que outros inimigos se fundam com os restos e se tornem mais perigosos. Isso adiciona uma camada estratégica às lutas, exigindo que o jogador escolha onde e quando enfrentará os inimigos, sendo melhor, muitas vezes, atraindo-os a zonas mais seguras antes do combate.

Além disso, Cronos inclui elementos de jogo investigativo e ambiental, com puzzles e portas trancadas que exigem leitura atenta de pistas visuais, mensagens codificadas e interações com artefatos do mundo. Mas nada extraordinário, como os vistos em mansões ou escolas labirínticas de outros jogos do gênero.

A estrutura básica se mantém próxima dos jogos de terror clássico com câmera em terceira pessoa: gatilhos para mira e disparo, botões de ação para interagir com objetos e abrir portas, e um inventário acessível por um menu de sobreposição. Mas a sensação transmitida ao jogador vai muito além dessa simplicidade aparente. A movimentação de ND-3576, como já dito, é rígida e pesada, com deliberada latência entre o comando e a ação, criando a sensação de que o traje que ele usa realmente limita seu corpo. Isso reforça a imersão de que você não está controlando um herói ágil, mas sim um corpo preso a um casulo de contenção e sobrecarregado por um ambiente hostil.

A interface é esparsa, mas altamente funcional. A HUD permanece oculta durante boa parte do jogo, sendo ativada apenas quando há interação ou necessidade de exibição de status. Quando visível, ela exibe informações precisas e pontuais: carga do lança-chamas, número de itens de cura, status do traje (vida, integridade e sobrecarga) e contagem de núcleos. O minimapa é ausente, substituído por um sistema de localização contextual, onde o jogador depende de marcações no ambiente e no próprio traje para se orientar. Isso exige atenção constante, já que não há bússola, GPS ou qualquer tipo de auxílio tradicional.

Visualmente, o jogo aposta em ambientes fechados, corredores claustrofóbicos e uma paleta de cores que mescla ferrugem, carne orgânica e ruínas tecnológicas. A inspiração em cenários da Polônia comunista misturada a uma estética de distorção biológica pós-catástrofe dá ao jogo uma identidade visual forte, embora não exatamente inovadora.

No PS5 base, Cronos apresenta um desempenho estável, com taxa de quadros consistente e ausência de pop-in, mesmo nos cenários mais densos. Em momentos de combate mais intenso, há quedas discretas de framerate, mas nada que comprometa a experiência. Em termos de performance, Cronos entrega uma experiência sólida na maioria das plataformas. Testes mostram que o jogo mantém taxas estáveis de 60fps em consoles de nova geração e PCs intermediários, com tempos de carregamento quase instantâneos.

A direção de som merece destaque: a trilha sonora é sutil, quase imperceptível em certos trechos, reforçando a atmosfera opressiva do jogo. Em momentos de descoberta ou tensão, a música age como um vetor emocional eficaz sem se tornar invasiva. Os efeitos sonoros dos inimigos contribuem para um ambiente auditivo desconfortável e eficiente. Faz muito bem o dever de casa.

Como enfatizado, o ritmo é deliberadamente lento. O jogo exige atenção e paciência. Checkpoints são espaçados e, ao contrário de muitos jogos de terror modernos que apostam no susto, Cronos foca em uma tensão constante que cresce conforme a escassez de recursos e a incerteza das escolhas feitas pelo jogador.

A estrutura da campanha se baseia na exploração sequencial de zonas interconectadas, com progressão obtida a partir de chaves, upgrades e conhecimento de layout. Há uma lógica de “metroidvania minimalista”, onde revisitar certas áreas com novos recursos permite acessar seções anteriormente bloqueadas.

É inevitável as comparações com jogos do gênero, como Scorn, Returnal, Signalis, Silent Hill e Tormented Souls. Em comum, Cronos compartilha com esses títulos a construção atmosférica e o foco na fragmentação narrativa, mas opta por um gameplay mais comedido, onde a exploração e o posicionamento importam tanto quanto o combate em si. Também há paralelos traçados com Death Stranding, especialmente pelo modo como o jogo integra a travessia espacial como parte da experiência emocional e filosófica da jornada.

Cronos: The New Dawn não reinventa o gênero survival horror, mas o executa com precisão e um grau elevado de coesão entre tema, mecânica e ambientação. Suas principais qualidades residem na tensão atmosférica constante, na escassez real de recursos, e na forma como obriga o jogador a internalizar um estilo de jogo cuidadoso, metódico e muitas vezes impiedoso.

Não é um jogo de terror casual. Seu ritmo lento, sua economia agressiva de recursos e suas mecânicas de combate punitivas o afastam de públicos que buscam ação constante ou conforto narrativo mastigadinho. Mas, para os que valorizam atmosferas densas, decisões morais ambíguas e desafios rigorosos, Cronos é uma das experiências mais sólidas do ano. A grande força de Cronos é a recusa da catarse. Nada aqui é épico, absolutamente nada recompensa e seu final reforça isso com uma escolha que não altera o destino, mas apenas confirma o caráter da protagonista, terminando assim como começa: com um gesto funcional, sem honra, sem glória, contando apenas com continuidade. E isso é bom.

Nota: 9,5

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