Eriksholm: The Stolen Dream – Análise
Eriksholm: The Stolen Dream é um jogo que, apesar de simples em sua estrutura, carrega consigo a ambição de oferecer uma experiência de furtividade isométrica que combina narrativa, ambientação histórica e estratégia. Desenvolvido pelo estúdio sueco River End Games, um time pequeno composto por veteranos da indústria e liderado pelo diretor artístico Anders Hejdenberg, e publicado pela Nordcurrent Labs, o título é o primeiro grande projeto do estúdio e já se apresenta como uma estreia impressionante. Lançado em 15 de julho de 2025, o jogo se ancora numa proposta narrativa que, ainda que contida, assume proporções épicas à medida que se desenrola.
A cidade fictícia de Eriksholm, com sua arquitetura nórdica do início do século XX, é pano de fundo para a jornada de Hanna, a protagonista do jogo. O desaparecimento de seu irmão Herman e a perseguição policial que se segue não apenas colocam em movimento a trama central, mas também revelam uma cidade em desequilíbrio, onde forças maiores moldam os destinos individuais e coletivos. A busca de Hanna se vê enredada em uma conspiração de grandes proporções, onde o destino de toda a cidade está em jogo. Em meio a paisagens melancólicas, cavernas e bairros em ruínas, o jogo sugere que há interesses ocultos por trás do sumiço do irmão, num enredo que cresce em densidade à medida que avançamos. A influência de animações como Kiki’s Delivery Service, do Studio Ghibli, está presente não apenas no charme visual de Eriksholm, mas também na tentativa de transmitir uma sensação de acolhimento e segurança (o “mys” sueco) em meio ao perigo.
O jogo convida o jogador a acompanhar Hanna pelas ruas estreitas, becos sombreados e bairros decadentes dessa fictícia Eriksholm, onde cada sombra é um esconderijo e cada esquina esconde novos perigos. Com uma câmera isométrica que permite observar toda a área em volta e planejar com cuidado, o jogo estimula o olhar atento, recompensando quem se detém a observar os padrões de patrulha ou os sons que quebram a rotina dos guardas. A direção de arte é notável e os cenários, além de belos, são funcionais, sendo parte integrante do quebra-cabeça tático que cada fase propõe. A sensação de se mover por um diorama vívido é reforçada pelo excelente trabalho de iluminação e design sonoro, com destaque especial para a atuação de voz de Rosie Day como Hanna, que confere vida, sarcasmo e tensão a personagem, mesmo nos momentos mais contidos.
Ainda que o marketing tenha enfatizado as impressionantes cutscenes geradas com Unreal Engine 5 e MetaHuman, que de fato remetem à estética de produções hollywoodianas, boa parte da experiência se dá com a câmera distante, em perspectiva tática. O visual permanece coeso e estilisticamente sofisticado, especialmente no modo como os ambientes são compostos, e o jogo roda com fluidez mesmo em máquinas mais modestas. As cutscenes, embora poucas, têm qualidade satisfatória, com direção precisa e impacto visual honesto, mesmo não sendo algo do nível de um Death Stranding 2, com sua geometria impressionante.
Contudo, a promessa de uma “aventura narrativa” mais envolvente, sugerida tanto na descrição oficial quanto na força dessas cutscenes, acaba não se cumprindo plenamente no ritmo da primeira metade. Apesar de um início promissor, com atmosferas carregadas e intrigas veladas, a progressão narrativa sofre com a lentidão exagerada dos primeiros capítulos. Durante cerca de quatro dos oito atos, a trama se arrasta e os personagens, especialmente Hanna, ficam presos a um conjunto bastante limitado de ações, o que frustra jogadores acostumados a uma escalada mais rápida de complexidade ou tensão na jogabilidade. Essa retenção de elementos importantes da jogabilidade por tempo demais compromete o impacto de seções inteiras, ainda que a curva melhore consideravelmente na reta final, quando novos personagens entram em cena e as peças narrativas finalmente se encaixam.
A introdução progressiva dos companheiros Alva e Sebastian traz um novo ritmo à jogabilidade, permitindo que o jogador alterne entre personagens com habilidades distintas e coordenadas. Com isso, Eriksholm deixa de ser apenas uma jogo de furtividade linear e se aproxima dos jogos táticos em tempo real, como Desperados ou Shadow Tactics. A analogia com Commandos está na lógica dos mapas como enigmas visuais, a limitação de habilidades e a rigidez das rotas, que tornam cada fase um quebra-cabeça meticulosamente desenhado. E, dentro dessa proposta, o jogo se sustenta bem. Não há combate tradicional: falhar significa recomeçar. A detecção por parte dos guardas, que reagem até mesmo à queda de colegas, leva ao game over imediato. O jogo não tolera improvisos, mas constrói sua experiência sobre o controle completo do ritmo e das possibilidades.
Esse tipo de controle rígido pode afastar quem espera liberdade ou improvisação e esse, talvez, possa ser o maior defeito de Eriksholm. Os caminhos são únicos, as soluções são fechadas, e a IA dos inimigos, ainda que funcional, às vezes opera com lógica muito, mas muito previsível. Mas essa previsibilidade também permite aos designers compor momentos narrativos e estratégicos muito bem orquestrados. Há um cuidado grande na construção dos espaços, inclusive nas seções subterrâneas, como as minas, que conferem ao jogo uma atmosfera mais sombria e até lembram títulos como Little Nightmares.
Apesar de sua linearidade, Eriksholm: The Stolen Dream é generoso com checkpoints e oferece uma estrutura amigável para revisitar capítulos anteriores, o que permite aos jogadores coletarem documentos, observarem novos diálogos ou simplesmente explorarem com mais calma. Entretanto, o sistema de checkpoints compromete seriamente a experiência. É possível errar inúmeras vezes sem consequências reais, já que o progresso é salvo automaticamente a cada pequeno avanço, até mesmo após alguns segundos de deslocamento. Na prática, o jogo realiza salvamentos e recarregamentos constantes, o que elimina quase toda a punição por falhas no stealth. Isso enfraquece a curva de aprendizado, que passa a depender da repetição imediata, fazendo com que muitas ações sejam executadas de forma descuidada, no estilo tentar pra ver no que dá.
Outro grande tropeço do jogo está na forma como os inimigos reagem ao encontrar Hanna ou seus aliados: eles correm em direção aos personagens, mas de maneira desajeitada, sem jamais alcançá-los ou causar qualquer efeito. Não há qualquer mecânica de imobilização, captura ou rendição, simplesmente não há resposta programada adequada, o que esvazia completamente a tensão dessas situações. Por fim, os enigmas iniciais deixam e muito a desejar, especialmente os que envolvem o uso de maquinário para mover contêineres. A física do jogo é inconsistente e pode fazer com que as caixas fiquem em posições imprevisíveis, comprometendo a lógica dos puzzles e gerando frustração constante.
Com um tempo médio de campanha que pode variar entre 10 a 15 horas, dependendo do ritmo de exploração, Eriksholm pode até não alcançar o impacto comercial de outros indies mais bombásticos de 2025, como Clair Obscur, mas em termos de acabamento, construção de mundo e sofisticação estética, ele rivaliza com qualquer outro da temporada. É uma obra de estreia extremamente promissora da River End Games, liderada por veteranos da indústria como Anders Hejdenberg, e um lembrete de que pequenos estúdios ainda podem entregar experiências refinadas, autorais e memoráveis, especialmente quando abraçam suas limitações com inteligência e sensibilidade. Longe de ser perfeita, mas vale conferir.