Frostpunk 2 – Análise
Trinta anos depois do apocalipse gelado retratado no primeiro jogo, a humanidade ainda se vê à beira do colapso, presa a um planeta onde a neve nunca derrete e a sobrevivência continua sendo uma luta diária. Frostpunk 2, sequência do aclamado título da 11 Bit Studios, não é apenas mais um city builder com roupagem sombria. O foco, antes centrado no confronto direto entre homem e natureza, agora se desloca para o inevitável choque entre homens e suas próprias ambições.
A mudança mais visível em relação ao primeiro Frostpunk está no próprio modo de construção. Se antes o jogador acompanhava de perto cada cidadão, monitorando o frio que entrava pelas rachaduras das barracas e a fumaça que saía do gerador central, agora a perspectiva é muito mais ampla. Em vez de erguer prédios individuais, você demarca distritos inteiros, como residenciais, industriais, de extração de alimentos ou de logística. Cada distrito funciona como engrenagem de uma metrópole que cresce de forma quase orgânica, mas que cobra seu preço caso a organização falhe.
Esse gerenciamento em macroescala exige planejamento urbano e visão de longo prazo. Distritos podem ser expandidos, receber melhorias ou até ser isolados com medidas de emergência quando surtos de doenças ou protestos ameaçam a estabilidade. O sistema de temperatura herdado do primeiro jogo retorna, mas agora cada distrito tem seu próprio nível de aquecimento, podendo irradiar calor para áreas vizinhas e criando verdadeiras cadeias térmicas que exigem raciocínio estratégico.
O carvão, pilar da sobrevivência em Frostpunk 1, dá lugar ao petróleo como motor da civilização em reconstrução, uma mudança de recurso que acompanha a narrativa, que que a trama não fala mais apenas em resistir ao inverno interminável, e sim como expandir as fronteiras. Explorar o Frostland continua sendo parte essencial do ciclo de jogo, mas agora é possível fundar colônias adicionais, capazes de enviar suprimentos para a cidade central. Isso significa que o jogador precisa gerenciar não apenas a capital, mas também novos núcleos populacionais.
A grande virada de Frostpunk 2 está em sua dimensão política. Com o crescimento da população, emergem facções com visões de mundo distintas e, muitas vezes, irreconciliáveis. De um lado, tecnocratas defensores do progresso científico a qualquer custo; de outro, tradicionalistas que enxergam o petróleo e a industrialização como ameaças à essência da comunidade. Entre esses polos, surgem ainda grupos menores, capazes de inclinar votações ou mergulhar a cidade em crise.
Tudo isso ganha corpo no Conselho, um parlamento onde leis, expansões e medidas de emergência precisam ser negociadas e votadas. O jogador, sem seu papel de Administrador, é levado a mediação de interesses, fazendo promessas, manipulando apoios ou, quando necessário, subornando delegados para aprovar leis controversas. Esse sistema transforma a experiência em um verdadeiro simulador político, onde a retórica importa tanto quanto o estoque de mantimentos, e onde decisões morais podem ecoar por campanhas inteiras. Prometer demais a um grupo pode significar traição a outro e ceder a pressões pode evitar uma revolta imediata, mas custar caro no futuro.
Se o primeiro Frostpunk já impressionava pela direção de arte, a sequência amplia tudo, com sua estética industrial vitoriana, que permanece como pano de fundo. Agora, a fuligem e a neve se misturam em cidades que brilham no escuro, pontilhadas de fornalhas e estruturas colossais. A paleta de cores continua fria, carregada de brancos, cinzas e azuis, mas os contrastes com a iluminação artificial da metrópole criam imagens impressionantes. É uma pena que, ao contrário do jogo anterior, faltem certos detalhes de microvida urbana, como o deslocamento de pessoas pelas ruas, mas a visão panorâmica da metrópole crescendo (ou colapsando) prende a atenção.
A trilha sonora é outro ponto altíssimo. Melancólica, grandiosa e pesada quando precisa, ela acompanha cada decisão política e cada inverno rigoroso. O som ambiente completa a imersão: o uivo do vento, o rangido do metal e o barulho das máquinas compõem um cenário auditivo de tirar o fôlego.
No PC, a experiência é sólida, embora nem sempre otimizada. O motor Unreal Engine 5, que tem dado trabalho em outras produções recentes, também apresenta problemas aqui. Stutters, quedas de desempenho e menus confusos aparecem com frequência, especialmente em partidas avançadas, quando a cidade já se expandiu demais. A versão de PlayStation 5, em particular, sofre com menus lentos, respostas atrasadas e bugs replicáveis que comprometem a fluidez da gestão. O controle, no entanto, foi bem implementado, onde navegar pelos distritos, gerenciar construções e alternar menus principais é intuitivo, ainda que nunca alcance a precisão do mouse. No geral o sistema se mantém funcional. Há inclusive três modos gráficos distintos: Fidelidade (30fps com melhor visual), Balanceado (40fps em telas de 120Hz) e Performance (60fps mais fluido).
O arco narrativo de Frostpunk 2 é mais dilatado e menos linear. Ideologias em choque, decisões políticas e conflitos internos são o coração da campanha, que se estende em ritmo cadenciado, sem cair na repetição exaustiva. Seu fator replay é altíssimo, onde cada campanha pode se desenrolar de modo radicalmente diferente, dependendo das facções apoiadas, das leis aprovadas e das crises enfrentadas. É o tipo de jogo em que uma mesma decisão pode salvar a cidade em uma partida e condená-la em outra, garantindo longevidade e discussões intermináveis entre jogadores.
Apesar de toda sua imponência, Frostpunk 2 não escapa de falhas. Os stutters no PS5 chegam a comprometer a experiência, especialmente em momentos mais caóticos. Os menus, às vezes, são confusos e, às vezes, travam, atrapalhando o fluxo de decisões. Também há uma certa perda de identidade em relação ao primeiro jogo, pois, para quem gostava mais do microgerenciamento, do acompanhamento de cada cidadão e da luta cotidiana do primeiro pode estranhar a transição para a escala mais ampla e política.
Frostpunk 2 é uma sequência que amplia a escala do jogo original, trocando o micro pelo macro e coloca a política no centro do tabuleiro. O que a 11 Bit Studios entregou aqui é impressionante, sendo um construtor de cidade cinematográfico e um interessantíssimo simulador político. Se o primeiro jogo foi sobre resistir ao frio, este é sobre resistir a nós mesmos. E Frostpunk 2 captou isso onde raros os títulos foram capazes de fazer tão bem.