Digimon Story: Time Stranger – Análise

Análise – Digimon Story: Time Stranger

Digimon Story: Time Stranger marca o retorno pleno da subsérie Digimon Story, após quase uma década desde Cyber Sleuth: Hacker’s Memory (2017). Desenvolvido pela Media.Vision e publicado pela Bandai Namco, o jogo chega em 2025 como o primeiro título totalmente inédito da franquia em consoles da atual geração, atualizando a série e mantendo o sistema de JRPG que sempre fez parte dela.

O enredo de Digimon Story: Time Stranger começa em Tóquio, quando uma série de anomalias temporais e explosões inexplicáveis passa a ocorrer na cidade. O jogador assume o papel de um agente da organização ADAMAS, uma entidade encarregada de investigar e conter fenômenos paranormais ligados à interferência entre o mundo humano e o digital. Seu personagem é personalizável entre duas opções pré-definidas de design, com liberdade para trocar roupas e acessórios ao longo da campanha.

Durante uma dessas operações, o protagonista presencia o aparecimento de criaturas desconhecidas, os Digimon, e um evento catastrófico que leva à destruição parcial de Shinjuku, conhecido posteriormente como o Inferno de Shinjuku. A partir desse ponto, o agente é transportado através de uma fenda temporal e desperta em uma linha do tempo diferente, percebendo que o mundo em que se encontra está deslocado cerca de oito anos no passado.

Nesse novo contexto, o protagonista conhece Inori, uma jovem que guarda traumas relacionados à perda da família e que se torna peça central na investigação das anomalias, e Aegiomon, um Digimon híbrido de aparência humanoide que atua como elo entre as duas realidades. Os três unem forças para compreender a origem dos distúrbios temporais e impedir o colapso entre os mundos.

A investigação revela que o conflito se estende além de Tóquio, atingindo o mundo digital conhecido como Iliad. Lá, um grupo de Digimon conhecidos como Titãs se rebela contra a estrutura dominante representada pelos Olympos XII, equivalentes a deuses digitais que governam a ordem local. O desequilíbrio gerado por essa guerra é o que provoca as anomalias que afetam também o mundo humano.

A jornada do jogador se divide entre missões no mundo real, onde as anomalias são investigadas e as relações humanas são exploradas, e missões no mundo digital, que envolvem batalhas, exploração e coleta de dados para reconstruir as linhas temporais corrompidas, alternando constantemente entre esses dois ambientes.

Ao longo da história, novos personagens secundários aparecem, como outros agentes da ADAMAS e Digimon aliados temporários que contextualizam a escala do fenômeno e a narrativa se desenvolve gradualmente até revelar que a fronteira entre as dimensões foi rompida por uma sequência de experimentos e manipulações temporais mal calculadas. O protagonista precisa então corrigir as distorções causadas por esses eventos e restaurar o equilíbrio entre os mundos, enfrentando uma série de chefes de nível crescente, cada um associado a uma região e a um fragmento da linha temporal.

Diferente de interpretações anteriores, aqui os Digimon não são apresentados apenas como aliados. Muitos deles são entidades instáveis, hostis e em conflito com o equilíbrio natural. O incidente dimensional que transporta o jogador oito anos ao passado o faz revisitar locais conhecidos em estados diferentes, sem buscar criar um enredo complexo por excesso de explicação, mas utilizando a ideia de volta no tempo para provocar alterações nas relações e nos eventos de modo perceptível. O título Time Stranger se justifica aqui, com o protagonista sendo literalmente um estranho em sua própria linha temporal.

O roteiro se apoia em temas recorrentes da série, como amizade, amadurecimento e coexistência entre mundos, mas com uma ênfase mais melancólica, introspectiva e menos ingênua. A estrutura narrativa é linear, mas intercalada por eventos opcionais e missões secundárias. Tudo acaba aprofundando os vínculos entre agente e Digimon, e essa relação afetiva com os monstros digitais funciona sem ser piegas ou forçada. O tom geral remete à série clássica de 1999, porém modernizada e com uma construção de universo muito maior. Há também referências sutis às antigas temporadas e à própria história da franquia, sem depender delas.

As primeiras horas de Digimon Story: Time Stranger são lentas, com tutoriais extensos e explicações reiteradas sobre a mecânica de digitalização e coleta de dados. Superado esse início, o jogo encontra consistência e passa a alternar com precisão entre investigação, combate e desenvolvimento de personagens. Os capítulos são organizados como relatórios da ADAMAS, e cada missão introduz um novo tipo de fenômeno temporal, mantendo a sensação de avanço no jogo. Mesmo sem reinventar a estrutura dos JRPGs, o título consegue se firmar como uma das narrativas mais cuidadosas da série, equilibrando acessibilidade e densidade. O uso do tempo também é sua principal virtude, mesmo sendo uma ideia simples.

A base de Digimon Story: Time Stranger é a de um JRPG por turnos, fiel às tradições do gênero e às raízes da série, mas com incrementos que modernizam o ritmo. O núcleo do gameplay se divide entre exploração, batalhas, coleta de dados e evolução de Digimon, organizados em torno de sistemas interdependentes. O jogador pode carregar até seis Digimon, sendo três ativos e três de reserva, o que incentiva trocas constantes durante os combates para explorar fraquezas de tipo. A lógica segue o tradicional modelo da série Vacina, Dados e Vírus, com sobreposições adicionais de atributos elementares (fogo, água, vento, eletricidade, luz e escuridão), e cada batalha exige observar a sinergia entre os monstros.

O sistema de combate é simples, mas denso, com cada Digimon possuindo ataques físicos, técnicas especiais, habilidades passivas e movimentos de suporte, todos regidos pelo consumo de SP. A interface é clara e responsiva, facilitando a leitura dos turnos e da ordem de ação. Um ponto de destaque é a análise em tempo real dos inimigos, que revela fraquezas e resistências após os primeiros turnos.

O ritmo das batalhas é eficiente, com animações curtas e bem sincronizadas. O tempo de resposta entre comandos e ações é mínimo, e há suporte para batalhas automáticas. Além disso, os confrontos contra chefes apresentam mecânicas próprias e níveis de dificuldade bem calibrados, como se espera de qualquer jogo que possua um chefão a ser enfrentado. Embora nenhum deles seja punitivo, todos exigem atenção à ordem de turnos, ao uso de buffs e à gestão de SP. Existe uma curva de desafio crescente, mas ela ocorre de forma equilibrada e justa, sem picos artificiais.

Um dos pilares do jogo é o sistema de captura e digitalização. Cada encontro com um Digimon inimigo aumenta a taxa de varredura (Scan Rate). Ao atingir 100%, é possível gerar um exemplar daquele Digimon na base da ADAMAS, mas o ideal é esperar até 200%, o que garante melhores atributos iniciais. É um sistema bem elaborado que não apela para mecânicas aleatórias ou monetização.

A evolução, ou melhor, a Digievolução, é o sistema mais elaborado do jogo. Ela depende diretamente do nível de Agente, uma métrica associada às missões principais e secundárias. Quanto mais o jogador atua em campo, mais possibilidades de evolução se abrem. Cada Digimon pode seguir múltiplas linhas evolutivas, determinadas por atributos específicos como ataque, defesa, velocidade e inteligência. Essa estrutura torna o processo de criação de equipe extremamente flexível. Um mesmo Digimon pode evoluir em cinco direções diferentes, cada uma exigindo parâmetros distintos. O sistema de retrocesso evolutivo também está presente: o jogador pode reverter uma Digievolução para redistribuir atributos ou buscar uma rota alternativa, eliminando o medo de errar uma escolha.

A progressão do agente humano é paralela à dos Digimon. O jogador possui árvores de habilidades pessoais que concedem bônus globais à equipe, como aumento de HP, SP, dano elemental, chance de crítico e aprimoramentos específicos baseados em personalidades. As personalidades são traços comportamentais adquiridos pelos Digimon através de interações de diálogo, como valente, sábio ou amistoso, e determinam habilidades passivas e estilos de crescimento. É uma sobreposição de sistemas que confere ao jogo uma camada de microgestão constante, mas sem se tornar exaustiva, se tornando um do maiores acertos da Media.Vision.

Além das missões principais, o jogo inclui missões secundárias que ampliam o mundo e concedem Pontos de Anomalia, moeda necessária para aumentar o nível de Agente. Essas missões envolvem desde a captura de Digimon específicos até a resolução de distúrbios entre humanos e criaturas. Embora variem em qualidade, são fundamentais para liberar evoluções de nível avançado e melhorar o ritmo de progressão. Há também uma área de suporte equivalente à tradicional Digifarm, onde é possível treinar Digimon inativos, coletar recompensas, acessar dungeons adicionais e interagir com minijogos.

Do ponto de vista técnico, Digimon Story: Time Stranger situa-se claramente como um jogo de médio orçamento, mas com resultados consistentes. O motor gráfico é uma evolução do utilizado em Cyber Sleuth, adaptado para a atual geração de consoles, ainda que os ganhos visuais não sejam tão expressivos quanto se esperaria de um título exclusivo da nova geração. Os cenários urbanos e digitais são variados e bem definidos. A Tóquio inicial combina ruas densas, becos, interiores de prédios e praças cheias de NPCs, com uma direção de arte que privilegia tons frios e iluminação artificial. Já o mundo digital, Iliad, é composto por regiões temáticas, cada uma com ambientações e biomas próprios. As cidades digitais são povoadas por Digimon em atividades cotidianas. Apesar disso, há repetição de estruturas em missões secundárias e layouts de dungeons. Os mapas tendem a reutilizar corredores e arenas de combate com variações visuais limitadas. Em termos técnicos, não há travamentos nem bugs significativos, mas o jogo sofre com quedas de framerate pontuais em áreas amplas e na transição entre zonas, especialmente nos modos de viagem rápida.

O jogador pode transitar livremente por zonas conectadas, mas o deslocamento entre mundos requer múltiplos menus e telas de carregamento. O sistema de viagem rápida é funcional, embora não tão prático e intuitivo, com etapas redundantes que poderiam ter sido simplificadas. Em compensação, o design de interface é um grande acerto. O layout dos menus de combate, evolução e gerenciamento de equipe é limpo, direto e informativo. A navegação entre as diferentes seções é instantânea, e o feedback visual, com ícones, barras de progresso e indicadores de tipo, é claro mesmo em batalhas mais densas.

A trilha sonora, composta majoritariamente por temas orquestrados e sintetizados, mantém a tradição da franquia ao alternar entre faixas de tensão eletrônica e melodias emotivas. O jogo é dublado em inglês e japonês, com legendas em múltiplos idiomas, incluindo português. No aspecto visual, o design dos Digimon mantém fidelidade ao material original, com modelos 3D detalhados e animações personalizadas para os movimentos de ataque e evolução. Ainda que o jogo não apresente o realismo de produções AAA, o estilo anime é bem executado. Os personagens humanos também possuem uma modelagem sólida, embora suas expressões faciais sejam limitadas, especialmente em cutscenes estáticas, nas quais a falta de sincronia labial é perceptível.

O jogo apresenta cutscenes animadas de boa qualidade, alternadas com segmentos estáticos de diálogo. O maior problema está no protagonista, que permanece mudo em boa parte da história, o que enfraquece algumas cenas mais emotivas.

Digimon Story: Time Stranger consolida-se como o melhor título da franquia em mais de uma década, principalmente pela sua maturidade temática. A Media.Vision não rompe com o legado de Cyber Sleuth, apenas refina sua fórmula com maior equilíbrio entre complexidade mecânica e acessibilidade, resultando em um RPG preocupado em agradar veternos e novatos. Mesmo com combates tecnicamente simples, eles encantam o jogador e a exploração funciona, ainda que limitada por zonas lineares e uso excessivo de telas de transição. É um título que entrega uma história que equilibra ficção científica e drama emocional, sem cair em melodrama mexicano ou excesso de exposição. No fim das contas, Digimon Story: Time Stranger é, além do retorno de uma franquia clássica, uma demonstração de amadurecimento dentro do próprio gênero.

Nota 9,5

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