Entrevista com Akira Toriyama e Rumiko Takahashi na revista TeLePAL Nº3 de 1986

TeLePAL Nº3 (01 de fevereiro de 1986)

CONVERSA ENTRE GRANDES CRIADORES:

Akira Toriyama x Rumiko Takahashi

Pouco antes de começar a transmissão dos animes de Dragon Ball e Maison Ikkoku!

Os populares animes de Dr. Slump e Urusei Yatsura, que tem continuado por muitos anos, terminarão nesta primavera. Mas não se preocupe: os animes mencionados acima, dos mesmos criadores, começarão logo após. Com isso em mente, entrevistamos os dois no meio de suas agendas lotadas e os convencemos a fazer uma entrevista para esta revista.

Rumiko Takahashi

Nascida em 10 de outubro de 1957 na prefeitura de Niigata. Atuou como presidente da Sociedade de Estudos de Manga da Universidade Feminina do Japão e estreou com Urusei Yatsura na Shonen Sunday em junho de 1978, enquanto ainda era estudante. Desde então, continua desenhando Urusei até o presente. Além disso, também tem uma série na Big Comic Spirits com Maison Ikkoku.

Akira Toriyama

Nascido em 5 de abril de 1955 na prefeitura de Aichi. Depois de trabalhar como designer em uma agência de publicidade, estreou na Shonen Jump em novembro de 1978 com Wonder Island. Começou sua serialização em dezembro de 1979 (na verdade, janeiro de 1980) com Dr. Slump, que durou até 1984. Dragon Ball começou a serialização na mesma revista em 1984 e ainda está em andamento.

 

“Criamos os quadrinhos enquanto os desenhamos”

Tivemos dois dos cartunistas japoneses mais populares da história, Akira Toriyama e Rumiko Takahashi, que normalmente não fazem entrevistas com frequência, conversando entre si sobre seus quadrinhos e animações. Vamos começar perguntando sobre as histórias de seus novos animes, Dragon Ball (atualmente em série na Shueisha) e Maison Ikkoku (atualmente em série na Big Comic Spirits da Shogakukan)!

 

Ao passar de Dr. Slump para Dragon Ball e de Urusei Yatsura para Maison Ikkoku, vocês lançaram quadrinhos completamente diferentes em ritmo e conteúdo do que fizeram antes; gostaríamos que começassem falando sobre isso.

Toriyama: Eu queria mudar o ritmo e a configuração dos meus quadrinhos no sentido de dar a eles alguma variedade. Então, em Dr. Slump a arte era muito americana, mas no caso de Dragon Ball, eu a tornei tão chinesa quanto possível.

Takahashi: Bem, afinal, se você não muda o ritmo, não há realmente sentido em mudar para um trabalho diferente, não é? Há momentos em que esse tipo de coisa é exatamente a razão pela qual sou capaz de fazê-lo.

Toriyama: Se não fizer uma alteração, também será difícil para quem desenha.

Em que pontos você prestou atenção quando fez essas alterações?

Toriyama: O ponto que eu mais me preocupei foi não tornar muito bobo. Eu realmente trabalhei para reduzir os elementos divertidos, já que, em Dr. Slump, eu realmente brinquei, fazendo com que o próprio criador aparecesse, entre outras coisas… (risos) Mas, desta vez, o foco está na história!

E quanto a você, Takahashi-san?

Takahashi: No meu caso, eu realmente queria desenhar uma história de apartamento. Houve um tempo em que eu morava em um prédio em Nakano. Ao lado, havia um prédio estranho que estava praticamente caindo.

E então esse se tornou o seu tema?

Takahashi: Bem, não apenas isso, mas meu próprio quarto, e assim por diante.

Com absolutamente nada nele, como o quarto do Godai …?

Takahashi: Sim. Eu não tinha mobílias, apenas o essencial. Pessoas nos dias de hoje não morariam em um quarto tão vazio. Na minha mente, haveria uma cama e um aparelho de som… eu sei, mas ainda assim!

Toriyama: Eu também usei coisas que aconteceram comigo no passado como material.

Takahashi: Agora que você mencionou, uma vez, cerca de dois ou três anos após o início da serialização de Maison, voltei para casa no campo e, por algum motivo, olhei para o meu diário de quando eu estava no ensino médio e realmente tive essa sensação. Eu sabia que a pessoa que escreveu este diário era a mesma que escreveu Maison. Então eu senti que as coisas são assim mesmo.

Como você determina os rostos e as personalidades dos personagens?

Takahashi: Primeiro, eu decido que, na fase de design, eles são “esse tipo de pessoa”, mas até desenhá-los, não conheço os detalhes mais delicados de sua personalidade. E você, Toriyama-san?

Toriyama: No meu caso, eu queria desenhar Goku como um garoto travesso e sincero, então tentei expressar a parte travessa pelo cabelo e o aspecto sério pelo rosto e pelos olhos. Seus olhos em particular, eu os fiz como o de um personagem secundário. Então, estou tentando não trazer nenhuma particularidade no elenco de apoio.

Nota: Uma das reclamações do editor de Toriyama, Kazuhiko Torishima, foi que, mesmo com o rabo, Goku era “muito raso” e “não se destacava” como personagem principal. A essa altura, Toriyama havia retificado que, ao introduzir personagens como Kuririn, a intenção era fazer a personalidade de Goku brilhar.

Como você cria suas histórias?

Takahashi:: Eu dificilmente faço uma “história” como tal. Os rascunhos estão lá, mas acho que é só depois de desenhar por um tempo que – PUF! – eu surjo com uma ideia

Toriyama: Eu sou praticamente igual a você, Takahashi-san. Nunca planejo, nunca tendo muita ideia sobre o que está por vir!

Isso não interromperia o fluxo da história ou a continuidade?

Toriyama: Isso aconteceu muito com Dr. Slump, mas acho que é um tipo de diversão que você só pode obter de quadrinhos, algo assim.

Takahashi: Se você se comprometer com muitas coisas, os personagens não terão mais vida própria.

Toriyama: Eu sou o tipo de pessoa que não se interessa muito pelas coisas, então, no começo, tirei as configurações de Dragon Ball da China mas, ultimamente, fui com Bali, Sibéria, Velho Oeste, etc; mudando de acordo com o meu humor. Se for a um vasto continente, você é bem livre para fazer o que quiser, apesar de tudo.

Nota: Bali influenciou a localização da ilha do Torneio de Artes Marciais, enquanto a Sibéria teria sido a inspiração para Vila Jingle, o local da Muscle Tower. A localização do “Velho Oeste” não está clara, pois, no momento desta entrevista, a serialização ainda estava com Goku na Muscle Tower. Talvez Toriyama estivesse pensando no que viria a ser a Terra Sagrada de Karin (com suas tendas), mas não está claro.

 

“Em tempos difíceis, manuscritos rejeitados são úteis, e a introdução de novos personagens ajuda a superá-los. “

 

No programa de TV NHK Special Feature, Osamu Tezuka disse que não tem ideias até que um prazo se aproxime; e quanto a vocês?

Takahashi: Bem, acho que há esse aspecto. Mas na maioria das vezes, leva dois dias para criar a história e desenhar o storyboard (os rascunhos), e acredito que desenhar o manuscrito leva cerca de uma noite.

Toriyama: Para mim, cerca de dois dias se passam comigo pensando: “Eu preciso inventar algum tipo de história”, mas na verdade apenas fingindo que estou trabalhando. E também, pintar me leva provavelmente cerca de um dia.

Com ambos desenhando seus quadrinhos assim, semana após semana, vocês nunca chegam a um impasse?

Toriyama: Sim. Em momentos como esses, no meu caso, eu me decido e vou dormir. (risos)

Esse tipo de coisa acontece até para você, Toriyama-san?

Toriyama: O que isso quer dizer? (risos) Quando fico com sono, algo sai como um “POP!!” direto na minha cabeça. Eu acho que funciona muito bem para mim. Exceto que, na maioria das vezes, apenas adormeço. Em épocas como essa, sinto fortemente que perdi. (risos)

Takahashi: Afinal, mesmo que tenha que se forçar, você precisa desenhar alguma coisa… eu faço de uma maneira ou de outra. (risos) Vou mudar as coisas com a representação da psique de um personagem, por exemplo…

Toriyama: Antes de fazer minha estreia, eu tinha cerca de 500 páginas de material que foram rejeitadas, então usei bastante coisas deles. Eu sinto que provavelmente também usei algumas histórias…

Takahashi: Do jeito que você fala, parece que foi bem útil. (risos)

Toriyama: Não é brincadeira. (risos) Quando eles foram rejeitados, foi muito difícil. Mas isso facilitou as coisas depois, então eu vou deixar passar.

Takahashi: Quando fico travada pelo desenvolvimento de histórias em Urusei, também faço coisas como apresentar um novo personagem para dar um ar fresco às coisas.

Toriyama: Isso mesmo; as opiniões do seu primeiro editor realmente ficam na sua cabeça. Para mim é: “desenhar quadrinhos que sejam fáceis de entender”.

Takahashi: Certo? Eu tenho os triângulos amorosos enraizados em mim.

É por isso que, para vocês dois, existem tantos personagens em seus trabalhos?

Takahashi: Pode ser, mas para Maison, o cenário é um apartamento, no fim das contas, então não haverá muitos personagens aparecendo.

Takahashi-san, por alguma razão, Maison e Urusei são histórias com um triângulo amoroso; aconteceu algo assim com você no passado? (risos)

Takahashi: Não é isso, mas… Quando eu comecei Urusei, estava buscando coisas como ficção científica, mas meu primeiro editor me disse que, no fim do dia, os triângulos amorosos eram os mais interessantes.

Toriyama: E eu criei a história de Dragon Ball conversando com meu editor sobre aumentar a faixa etária alvo, mas por causa dessa advertência de “ser fácil de entender”, acabou sendo a mesma coisa que Dr. Slump.

Por que você escolheu uma revista Shonen em vez de Shoujo, Takahashi-san?

Takahashi: Porque eu tenho lido a Shonen Sunday desde que era pequena. Eu li s Margaret e outrss também, é claro. Mas no meu momento mais emocional (adolescência), eu preferia as revistas shonen, já que eu estava mais acostumada com elas desde criança.

Quantos anos você tinha quando decidiu que queria se tornar uma cartunista?

Takahashi: Eu acho que foi por volta da 11ª série (2º ano do ensino médio)

E você, Toriyama-san?

Toriyama: É um segredo, mas quando eu decidi me inscrever na Revista Shonen, já tinha passado o prazo, então não tive escolha a não ser ir com a Shonen Jump. (risos) Minha motivação para me tornar cartunista foi… para ser franco, o prêmio em dinheiro de 100 mil ienes (risos)

 

“Nos quadrinhos, [o uso de] ‘espaço’ torna as coisas mais interessantes, mas na animação, você precisa manter as coisas em movimento.”

 

Vocês dois assistem muita animação?

Takahashi: Eu tento assistir quando tenho tempo. No momento, Hokuto no Ken e coisas do tipo…

Toriyama: Eu não assisto muito. Também não leio muitos quadrinhos. No entanto, eu sei que eles seriam divertidos de ler. Talvez eu me esforce para não assistir.

E a versão animada do seu próprio trabalho?

Toriyama: Quando começou a ser exibido, eu assisti um pouco, o que é muito raro para mim!! Eu gravava em vídeo.

Takahashi: Eu até gravo todos os episódios, apesar de estar no SLP5 (pior qualidade de gravação). Não tenho muitas oportunidades de assistir, mas há episódios que eu realmente gosto bastante e, nessas vezes, uso uma fita especial. Então assisto furtivamente no meio da noite. (risos) Eu faço coisas assim.

Existe algo que é mais agradável por ser uma história em quadrinhos ou as coisas são mais interessantes quando estão animadas?

Toriyama: A animação é boa em combinar bem movimento, cor e som. Para os quadrinhos, é o layout dos quadros.

Takahashi: Este parece ser sempre o caso. Com Urusei, por exemplo, é realmente chamativo. No caso dos quadrinhos, há coisas que não pude desenhar por várias razões, como não haver espaço suficiente, mas fico satisfeita quando consigo convencê-los a fazer com alguma direção interessante na animação.

Há momentos em que a versão animada usará três capítulos da história em quadrinhos original em um único episódio. Como se sentem sobre isso como os criadores?

Toriyama: Bem, quadrinhos e animação são diferentes, por isso é melhor do que deixar espaços em branco na ação. Há momentos em que eu prefiro que cubram essas lacunas com movimento.

Takahashi: Isso mesmo. Embora haja momentos em que eles ficam loucos demais com isso, e você não pode mais ver como as coisas ficaram do jeito que estão; esse tipo de coisa pode representar um problema. A chave é o entusiasmo daqueles que animam. Isso realmente se destaca na tela.

Vocês assistem aos filmes dos seus trabalhos?

Takahashi: Eu sempre vejo as exibições. O primeiro em particular foi emocionante; Eu até pensei que era melhor que o quadrinho original. Para o autor, não há prazer maior do que poder dizer: “Foi uma história muito boa!”

Toriyama: No meu caso, sou muito tímido, então nunca assisti a um filme de minha obra. Quero dizer, é embaraçoso.

Takahashi: Não é o meu caso.

Toriyama: Se bem me lembro, foi lançado um pequeno curta seu, não é, Takahashi-san?

Takahashi: Sim. Chama-se Fire Tripper!!

Toriyama: Quão profundamente você esteve envolvida?

Takahashi: Só fiz a história original. Eu não achava que fariam muito fiel à obra original, então, pra ser sincera, fiquei satisfeita. Fiquei grata por eles terem levado isso a sério, o que me deixou feliz. O trabalho deles foi tão convincente que, se há algo ruim a dizer sobre isso, a culpa é do criador – minha -.

Vocês dois gostariam de fazer sua própria animação?

Toriyama: Quando assisti a Mirai Shonen Conan, pensei em experimentar a animação, mas agora, de jeito nenhum.

Takahashi: Eu gosto de assistir animação, mas fazê-la é um tipo de trabalho completamente diferente. Eu prefiro desenhar ilustrações estáticas.

Vocês fizeram algum pedido em relação às novas animações?

Toriyama: De qualquer forma, eu quero que eles façam Goku se mover bastante. Isso é tudo, sério.

Takahashi: Para mim, acho que o sucesso da animação se resume aos atores de voz. Cerca de 50% disso. Eu trabalho com o diretor Kazuo Yamazaki-san desde Urusei. Entre os dois, sinto que ele é o mais adequado para Maison, por isso provavelmente não faria diferença, não importa o que alguém como eu dissesse a ele. Vou deixar as coisas para ele.

Toriyama: Desde que seja interessante, não me importo se eles mexerem nas coisas, mesmo ao ponto de ignorar completamente os quadrinhos.

Por fim, uma palavra sobre seus novos programas animados.

Takahashi: Alunos do ensino fundamental e médio!! Se vocês não assistirem, vão se arrepender tanto que poderão morrer!! Ahaha. Leia também os quadrinhos originais, ok?

Toriyama: Pode ser difícil de entender quando se vê um episódio de cada vez, mas acho que você começará a ter a sensação de velocidade e ritmo se continuar assistindo, então, por todos os meios, confira! Além disso, os volumes encadernados também estão sendo vendidos como água, por isso, dê uma conferida também.

 

ENTREVISTA COM A EQUIPE DE DRAGON BALL:

Minoru Okazaki (diretor da série): acredito que seja um trabalho que agrade a uma ampla faixa etária, desde crianças pequenas até estudantes do ensino médio. Eu quero que o Goku inocente e travesso se mova com muita energia e, como o cenário é de estilo chinês, eu gostaria de trazer uma atmosfera profundamente misteriosa e mística. Em vez de compará-lo a Dr. Slump, quero que as pessoas o tratem como um novo segundo capítulo de “Marusaku”.

Minoru Maeda (supervisor chefe de animação): os personagens de Dragon Ball são todos bem proporcionados, ao contrário dos personagens de Dr. Slump, com os quais eu estou tendo dificuldade. Além disso, existem grandes diferenças de altura, o que dificulta o encaixe na tela. Desde que seja natural, pretendo mudar as alturas livremente. Eu também gostaria de mostrar alguma sensualidade na arte, que não existia em Dr. Slump, então realmente gostaria que o diretor não cortasse essas partes. (risos)

 

ENTREVISTA COM A EQUIPE DE MAISON IKKOKU:

Kazuo Yamazaki (diretor da série): Não estou particularmente preocupado com o fato de vir depois de Urusei. Acredito que deveria haver um tipo de animação mais adulta como Maison entre os animes, e do lado da produção, estou encarando como mais uma aventura, e bastante animado com isso. Gostaria de retratá-lo para que até mesmo as pequenas ocorrências cotidianas se tornem engraçadas ao mudar o ponto de vista.

Yūji Moriyama (designs de personagens): Dessa vez, consegui fazer meu trabalho sem grandes problemas. Das várias séries em que trabalhei, esta foi uma das mais rápidas a concluir. Desta vez, participei apenas do design dos personagens, mas o diretor, Kazuo Yamazaki-san, está tentando fazer um Maison Ikkoku um pouco diferente do quadrinho original, e minhas expectativas são altas.

 

Planejamento/Organização: Departamento Editorial TeLePAL
Entrevista/Texto: Tsuneo Matsumoto
Entrevistas com a equipe/Texto: Hiroshi Yamaguchi (Studio Hard)
Fotografia: Takahisa Hayashi

Nota: Tsuneo Matsumoto foi o presidente do fã-clube de Toriyama e também fundador da Caramel Mama

Esta conversa foi organizada para os propósitos da revista.

Scans:

   

 

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