Análise – Perennial Order
O boss rush nunca foi um gênero de massa. Normalmente, fica restrito a experiências curtas, experimentais e extremamente punitivas. Perennial Order, da Gardenfiend Games, entra nessa categoria, mas busca dar corpo ao conceito, ao criar um mundo não linear, recheado de NPCs, segredos e uma estética sombria baseada em… plantas. Ele combina mecânica de morte em um hit e um sistema de exploração que aproxima o jogo de um souls-lite. O resultado é um jogo singular, que impressiona em vários aspectos, mas também esbarra em decisões que dividem até mesmo quem aprecia desafio extremo.
O jogo se passa numa Idade das Trevas alternativa, onde uma praga botânica tomou conta das terras e transformou criaturas em horrores vegetais. Você controla a Cavaleira Perene, uma mistura de humano e planta, incumbida por uma entidade misteriosa de caçar cerca de 15 chefes espalhados pelo mapa. O traço foi feito por um único artista, e isso dá unidade visual rara. Florestas em chamas, cavernas, montanhas nevadas e cidades corroídas pela praga têm identidade clara e ajudam a sustentar o clima mórbido. Cada área ainda passa por mudanças após a derrota de chefes e o design carrega influências de Hollow Knight e Shadow of the Colossus, construindo, entretanto, uma identidade própria e bem marcada por toda uma organicidade grotesca.
O jogador ataca com a espada bétula pelo analógico direito (ataques leves ou carregados, que podem gerar críticos) e se apoia em esquivas limitadas por recursos ou em deflects perfeitos contra golpes. E como mencionado, não há barra de vida, logo, qualquer erro é morte instantâne, tornando cada luta um processo de aprendizado por repetição, típico do gênero. Felizmente, os loads são imediatos e você reaparece na porta do boss.
Mas nem tudo convence: a falta de fast travel torna o backtracking cansativo, principalmente quando se decide trocar de rota após muitas mortes. A cidade central, construída em forma de loop, reforça a sensação de deslocamento demorado. É uma decisão de design que talvez acentue o ritmo contemplativo, mas entra em choque com o ciclo de tentativas rápidas que o gênero exige, tornando-se extremamente desestimulante seguir pela trama.
Embora se venda como um boss rush, Perennial Order não se limita a uma sequência de arenas. Seu mapa não linear possui múltiplos caminhos liberados após certo ponto, e há recompensas para quem se aventurar, como upgrades para a espada bétula, slots adicionais, side quests com NPCs misteriosos e até gestos. A progressão, contudo, tem ritmo bem desigual, comparando com outros do gênero. É possível entrar cedo em áreas com dificuldade desproporcional, o que força recuos frustrantes, prejudicados com a falta de fast travel. Talvez uma curva de aprendizado mais guiada, ou ao menos dicas mais claras de onde avançar primeiro, compensasse essa escolha.
Os bosses variam de duelos técnicos (onde só parry funciona) a batalhas bizarras. Aqui temos algo como um tabuleiro de xadrez vivo, um bullet hell à la Ikaruga, monstros gigantes que esmagam cenários e outras criaturas rápidas demais para acompanhar. Cada luta tem identidade, e as transições de fase são sinalizadas por mudanças visuais ou musicais. Mas embora haja uma legítima criatividade nos confrontos, os bosses possuem poucos padrões de ataque, além de fases previsíveis e complexidade inferior até mesmo a de chefes de Dark Souls 1, com uma I.A. super datada.
A repetição e a falta de profundidade acabam transformando as lutas em maratonas cansativas por causa da ausência de barra de vida, em vez de desafios memoráveis. Lembrando que isso não faz das lutas fáceis, mas sim injustas. Há bosses com janelas de ataque minúsculas, onde exigem longos períodos de espera até abrir uma brecha, que podem punir o jogador com mortes baratas. Realmente tem que ter muita paciência para encarar esse boss rush.
Poucos jogos nesse estilo permitem concluir toda a campanha em dupla, e nesse aspecto Perennial Order se destaca. Quando um dos jogadores é derrotado, ele não fica de fora, assumindo um papel de suporte, com habilidades capazes de auxiliar o parceiro e até de sincronizar ataques para aumentar o dano. No entanto, os chefes nesse modo contam com barras de vida ampliadas, e se alguém cair cedo, o outro precisa encarar batalhas que duram praticamente o dobro. Isso torna a experiência mais punitiva, ainda que coerente. O ponto negativo é que o jogador eliminado perde a chance de praticar ativamente o combate.
Para um indie de estreia, o jogo é polido. Carregamentos são quase instantâneos após a morte e as arenas de chefes rodam bem, mas em áreas abertas há alguns serrilhados, quedas de FPS e, em alguns casos, câmera desfavorável em confrontos contra inimigos grandes. Nada chega a quebrar a experiência, mas é perceptível.
Perennial Order é um jogo bacana, dentro do seu gênero nichadíssimo. Possui uma variedade criativa de bosses, uma ambientação única e um combate relativamente exigente, mas, para quem espera profundidade mecânica e uma progressão enxuta, pode soar como um amontoado de boas ideias sabotadas por travessias lentas, sistemas desnecessários e dificuldade desbalanceada, podendo fascinar uns e repelir outros.
No geral, é um boss rush de baixo orçamento sólido, diferente e estiloso, mas que exige paciência de Jó, diante das repetições dolorosas que se tornarão rotina de quem o experimentar. Para fãs de Souls ou Cuphead, vale encarar, mas para quem tem pouco tempo ou pouca paciência, é provável que se torne mais tortura que diversão.