Entrevista Exclusiva com Akira Toriyama na Weekly Playboy Nº5 de 1995

Weekly Playboy Nº5 de 1995 (31 de janeiro de 1995)

ENTREVISTA EXCLUSIVA – AKIRA TORIYAMA

Deuses da Terra do Sol Nascente: em direção ao século 21, onde o mangá se torna “MANGÁ”.

Obs: “Mangá”, escrito novamente aqui na mesma frase, desta vez está em letras latinas, enfatizando a disseminação dos quadrinhos japoneses em todo o mundo.

 

Rodada 1: AKIRA TORIYAMA

Atualmente, os quadrinhos japoneses não se limitam ao consumo doméstico. Tendo entrado na década final do século XX, eles encontram apoio explosivo em partes da Ásia, como Taiwan e Hong Kong, e estão começando a se espalhar ainda mais pela Europa e pelas Américas, sua primeira incursão global desde o ukiyo-e. Quem são esses novos criadores de que a Terra do Sol Nascente se orgulha?!

 

Não importava como, eu precisava dos meus cigarros

AKIRA Toriyama. Apesar de ser um personagem carismático e misterioso, acima e além do título de “mangaká”, é a primeira vez que suas opiniões sinceras ​​foram capazes de penetrar-nos profundamente.

Também não está totalmente alheio à explicação de por que o rosto de Akira Toriyama foi propositalmente obscurecido nas páginas desta entrevista.

“Adoro passear e ver as coisas. Tem todo tipo de coisa por aí, sabe? É divertido apenas olhar para elas.

Mas, não sei há quantos anos, fui a um novo supermercado que tinha acabado de abrir. Eu caminhava como sempre, quando passei em frente ao departamento de pescado e encontrei o olhar da moça que ali trabalhava. ‘Ah! Você é o Toriyama-san, não é!? Me dê um autógrafo!’

Não pude evitar, então fui para um canto escuro e tentei assinar meu nome discretamente, mas talvez porque eles tinham ouvido falar de mim ou algo assim, todas essas senhoras mais velhas começaram a se aglomerar ao meu redor… elas até foram e compraram marcadores e placas de assinatura da seção de papelaria só para conseguir meu autógrafo.

No fim, não consegui sair de lá por muito tempo… Por causa de coisas assim, não voltei ao supermercado desde então.”

E assim, ele passou a recusar as entrevistas que havia dado aqui e ali até então, e começou a evitar a exposição de seu rosto.

O Michael Jordan do Japão. Não é exagero pensar nele dessa maneira. Um ser que as crianças da América respeitam mais do que os seus pais, com quem sonham, diante de quem ficam sem palavras e a quem adoram como um deus. E, ao mesmo tempo, um superstar que perdeu a vida privada. Seu trabalho pode ser diferente, mas não há diferença em sua influência imensurável.

“Bem, eu não sou grande coisa. Na hora daquele frenesi de autógrafos, havia crianças lá também, dizendo: ‘Vai rápido e assine logo. E não se esqueça da ilustração.’ (risos) Na verdade, costumo levar uma vida extremamente normal, já que moro no campo. Mesmo quando as pessoas me chamam de ‘famoso’ e tal, eu realmente não consigo entender isso, até mesmo agora.”

Akira Toriyama, negando [sua reputação] com essas palavras, nunca morou em outro lugar além da casa de sua família aqui, nas proximidades de Nagoya. Hoje em dia, com a disseminação das entregas expressas, das fotocópias e dos aparelhos de fax, há muitos mangakás que exercem seu ofício nas províncias, mas isso era raro na época em que estreou.

“Eu odeio multidões, então não queria ir para Tóquio. E além disso, sou preguiçoso, então simplesmente não conseguiria viver sozinho. Pouco depois que Dr. Slump começou a serialização, meu editor T– [Torishima] me disse: ‘Se o seu manuscrito atrasar, você virá para Tóquio’, então desenhei desesperadamente para não me atrasar.”

‘Preguiçoso’. Enquanto ele falava, essa se tornou a palavra-chave.

“No início, eu trabalhava em um típico emprego de escritório em uma empresa de publicidade. Como designer, porém, já que pelo menos estudei design no ensino médio. Mas parei depois de três anos. Eu estava constantemente atrasado. (risos) Senti que trabalhar num escritório desde manhã cedo era impossível para mim. De qualquer forma, eu queria me livrar desse estilo de vida o mais rápido possível. Eu queria ir com calma.”

Mas, naturalmente, seu dinheiro acabaria e ele não conseguiria manter a cabeça erguida.

“Depois que parei, meus pais me disseram: ‘Não saia; é vergonhoso’. Porém, não tinha como evitar, então eu passava meu tempo sem rumo, lendo quadrinhos em cafeterias. Mas, no fim das contas, fiquei sem dinheiro para comprar cigarros….

Então, uma edição da Weekly Shonen Magazine que eu estava lendo na época tinha: “prêmio em dinheiro: 500.000 ienes” escrito para seu prêmio de novos talentos. Eu tinha bastante confiança nas minhas habilidades de desenho e gostava do Tezuka-san e tal, então pensei: ‘Beleza, vou desenhar uma história em quadrinhos!’

Não importava como, eu precisava dos meus cigarros.”

E pensar que este homem, para quem tal rendimento seria agora praticamente nada, traçou esse caminho por necessidade de dinheiro para cigarros….

E o que foi isso da Weekly Shonen Magazine e não da Weekly Shonen Jump?!

“Isso mesmo; o prazo passou enquanto eu estava desenhando, então…. Quando olhei para a Shonen Jump, eles recebiam inscrições todos os meses. Era um prêmio mensal. O prêmio em dinheiro era de apenas 100.000 ienes, mas pensei: dane-se.

Então recebi uma ligação do meu primeiro editor, T– [Torishima], dizendo: por que você não tenta a serialização? ‘Sua história ainda não é boa, mas você tem uma maneira nova de desenhar efeitos sonoros, como Kiii–n e Gacha, que tem impacto’, disse ele. Eu tinha acabado de fazer a mesma coisa que fiz em pôsteres com coisas como ‘Pechinchas de fim de ano——!’ ou ‘Super liquidação agora——’. (risos)

Mas no final eu não ganhei o prêmio. Se eu tivesse recebido o prêmio em dinheiro, provavelmente teria ficado satisfeito com isso e desistido.”

O que o departamento editorial da Weekly Shonen Magazine poderia pensar ao ouvir isso? No entanto, como resultado, a partir de então Akira Toriyama começaria sua ascensão ininterrupta à história de sucesso.

 

Posso desistir a qualquer momento

Continuando a partir de seu grande sucesso, Dr. Slump, Dragon Ball tem recebido apoio esmagador até hoje, e é de conhecimento geral que ele aumentou o valor comercial dos quadrinhos de inúmeras maneiras. No entanto, naquela época, ele diz que muitos questionaram sua passagem do mangá de comédia para um mangá de história.

“T– [Torishima] sabia que eu gostava de Jackie Chan e disse que, nesse caso, por que não desenhar uma história de kung-fu no estilo Toriyama? Quando comecei, até ouvi falar que as pessoas diziam que seria um fracasso. No entanto, sou um mal perdedor, então pensei: ‘Beleza, então!’. Mas, na verdade, criar comédia todas as semanas ficou muito difícil. Então eu o transformei em um mangá de história.

Enquanto o fazia, pensei que era muito agradável. Sabe como dizem que os personagens começam a agir por conta própria? Isso realmente acontece. Então, novamente, achei que poderia desistir se não fosse bom. Portanto, não houve qualquer pressão específica. A verdade é que eu queria descansar um pouco depois de Dr. Slump. Afinal, eu seria capaz de fumar por um tempo. (risos) “

E essa atitude filosófica? Ele estava ganhando dinheiro e não precisava mais de nada. E, no entanto, não senti nem excesso nem arrogância nas suas palavras. Ele estava muito tranquilo. Enquanto Akira Toriyama fala, ele não dá nenhuma noção da feiura ou do apego à fama em que as pessoas que alcançaram tanto sucesso tendem a cair.

“No entanto, é bom ter dinheiro. Ao ponto em que eu não quero mais nada, de forma alguma. Talvez seja por causa de onde estou agora que posso dizer isso? Mas, na verdade, nem eu sei o que acontece com meu dinheiro. Afinal, é do Bird Studio. Mesmo quando construímos esta casa, meus pais conduziram a conversa por conta própria. Eu fiquei tipo: ‘Hm? Estamos construindo alguma coisa?’ Ainda assim, mesmo depois que tive sucesso, meus pais não mudaram muito. Eles simplesmente pararam de reclamar tanto.

Embora, em dado momento, meu pai tenha vindo até mim e dito: ‘Vai, vamos comprar um Benz’. Achei que ele estava se insinuando até demais. (risos)”

Sua casa certamente é grandiosa. No entanto, não é nem vistosa nem excessivamente grande. O próprio Akira Toriyama também tem a aparência de uma pessoa comum, de moletom, jeans, boné e tênis de basquete. Quando se pensa na renda que dizem ter, é tão comum que chega a ser decepcionante.

No entanto, os rumores voam tão alto quanto o reconhecimento de seu nome.

Chegou da Coréia uma lista de perguntas para uma entrevista em texto. No entanto, o conteúdo escrito nela não fazia sentido. Onde ficava a ilha em que ele morava, como era viajar de helicóptero e assim por diante, tudo de significado incerto. Quando ele tentou confirmar [o conteúdo das perguntas], descobriu-se que corria o boato de que “Akira Toriyama comprou uma ilha e vai e volta de helicóptero entre ela e Tóquio”!

“Na verdade, ser chamado de ‘sensei, sensei’ em festas e coisas assim é praticamente constrangedor até hoje, e mesmo sendo informado de que agora sou famoso fora do Japão, simplesmente não parece real. Há uma sensação de: ‘Oh, é sério?’.”

Certamente, mesmo tirando o dinheiro e a fama, sua falta de apego é surpreendente. E além disso, sua maneira de pensar também é consistente com isso….

 

Conclusão: Deus é como uma criança

Ouvi isso de seu terceiro editor, T– [Takeda].

Houve uma época em que seu manuscrito quase se perdeu. O caminhão de entrega que sempre transportava no horário determinado se envolveu em um acidente, que causou grande rebuliço. Naturalmente, liguei para o sensei em pânico. Então ele disse: ‘Fiz fotocópias. Serve?’ Em um mundo onde os autores ficariam furiosos e os editores raspariam a cabeça de vergonha pela perda de um manuscrito original, eu simplesmente não conseguia acreditar.

Certamente, para um autor, um manuscrito original é especial. Porém, houve até um tempo em que os manuscritos devolvidos a ele, começando pelo Dr. Slump, foram deixados empilhados na garagem. E além disso, aparentemente eles foram usados ​​por seu filho Sasuke-kun como cadernos de desenho.

“Isso porque não tenho mais interesse nas coisas que estão acabadas.”

Quando ele me mostra seu espaço de trabalho, os modelos de plástico em que trabalhou tanto para construir estão quebrados e os modelos de armas que ele colecionou permanecem negligenciados; muito longe do tratamento amoroso de um entusiasta.

“É porque eu não olho mais para eles.”

Eu tive que rir. Afinal, ele disse que não pensa muito no passado. E na verdade, mesmo para esta entrevista, seu editor T– [Takeda] perguntava a ele se algo assim havia acontecido e, então: “Ah, agora que você mencionou…” ele foi capaz de tirar isso de sua memória.

Será que essa falta de interesse acompanha a profundidade de sua habilidade?

“No fim das contas, os momentos em que estou completamente focado em fazer algo são os mais divertidos. Talvez eu seja como uma criança. Estou cheio de curiosidade sobre as coisas e tudo bem, desde que seja divertido naquele momento, mas, ao mesmo tempo, odeio coisas que são difíceis.

Eu digo que nunca me atrasei com um manuscrito, mas não quero ser arrogante; é que eu simplesmente quero fazer isso o mais rápido possível para poder ser libertado. Mesmo o fato de quase nunca usar um assistente não é porque sou exigente com a arte ou algo assim; é que eu não sabia que podia usá-los. Eu sempre desenhei sozinho no interior, então ficava constantemente me perguntando como outras pessoas conseguiam desenhar tanto. (risos)”

Seu rosto enquanto ele respondia sorrindo certamente parecia travesso.

Assim como uma criança.

Mas isso não é ao mesmo tempo o mais importante e o mais difícil?

À medida que envelhecem, muitos autores não têm escolha a não ser passar de uma revista shonen para uma revista seinen.

Eles não conseguem mais desenhar crianças… a razão é porque eles não as entendem mais.

Mas Akira Toriyama vive com as mesmas emoções de uma criança.

“Encomendei um carro clássico, chamado Jaguar Mark II. No momento, eles estão fazendo uma série de coisas lá (no Reino Unido) para que eu possa dirigir aqui, mas com certeza foi divertido quando pensei no esquema de cores. Eu fotocopiava alguns desenhos do carro e depois coloria eu mesmo. Hmm, acho que devo ter feito cerca de 300. É bom fazer você mesmo as cores. Provavelmente estou sorrindo enquanto imagino isso. É por isso que não tenho interesse em coisas como Macs ou PCs.

Mas já se passaram cerca de 3 anos desde que o encomendei. Acho que isso provavelmente é normal no Reino Unido.”

Ele realmente não era apenas uma pessoa comum. Esse carro provavelmente custou algumas dezenas de milhões de ienes.

Quando, de lado, T– [Takeda] sugeriu: “Finalmente está chegando, isso ótimo e tudo mais, mas você sempre termina não andando neles, não é?”

Akira Toriyama novamente deu uma risada despreocupada: “Ah, você pode estar certo”.

Por fim, perguntei a ele algo que acabara de pensar. Uma pergunta simples, relativa a um homem tão distante, tão desapegado das coisas.

Ele temia a morte?

“Bem, eu realmente tenho medo disso. Muito medo.

Esta, eu senti, foi a maior manifestação de emoção que ele teve durante todo o dia.

Seus olhos eram notáveis. Era como se ele estivesse realmente respondendo diante do Ceifador acenando para ele.

Exceto que….

“Digo, ainda tem tantas coisas que quero fazer!”

Eu inadvertidamente sorri com suas palavras subsequentes.

Sim, enquanto o mangá se prepara para conquistar o mundo como “MANGÁ”, esse deus é como uma criança, imutável como sempre.

E então, o fato de ele não mudar é incrível, mas….

Ele desenha suas histórias vestindo uma dotera [kimono acolchoado], sentado no kotatsu [mesa baixa com aquecedor e cobertor para se aquecer]. Deste tipo de cena comum e cotidiana, suas obras surgem.

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