Earthion – Análise

Análise – Earthion

Earthion é um shoot ’em up horizontal desenvolvido pela Ancient, estúdio de Yuzo Koshiro e Makoto Wada, e projetado nativamente para o hardware do Mega Drive. Posteriormente, foi disponibilizado em emulação para PC e consoles modernos. O jogo segue a tradição técnica e estrutural dos títulos da era 16-bit, mas é inteiramente novo em código, som e design, concebido dentro das restrições reais do console. O resultado é um dos maiores experimentos contemporâneos de engenharia retro aplicada à jogabilidade.

A campanha é composta por oito estágios lineares interligados, cada um com variações visuais e temáticas distintas. O jogador assume o controle de Azusa Takanashi, cientista que pilota a nave YK-IIA, em uma operação de defesa da Terra devastada pela exaustão de recursos naturais. A narrativa é mínima, como a maioria dos jogos do gênero, e serve apenas como pretexto para a sequência de combates e projéteis na tela, mantendo o foco na estrutura arcade e na progressão funcional de fases, assim como se espera de um joguinho da época dos 16-bit.

Cada nível contém de dois a três chefes (mid-boss e boss principal), com comportamentos e padrões de tiro próprios. A progressão é contínua e não há sistema de save convencional: ao perder todas as vidas, o jogador recebe um password que preserva as melhorias acumuladas e pode ser usado para iniciar novas tentativas em dificuldades superiores. Esse sistema substitui o “continue” moderno, o que pode assustar a geração atual, mas é uma ideia divertida e coerente para um jogo projetado (e inclusive lançado!) em um hardware limitado, como é o do Mega Drive.

O controle da nave é baseado em movimentação responsiva e disparo contínuo, com separação entre arma principal e subarmas. O jogador começa com dois slots de subarmas e pode expandir essa capacidade ao longo da campanha. As cápsulas de adaptação, obtidas antes dos chefes, são módulos que substituem temporariamente uma subarma e, se preservados até o fim da fase, concedem melhorias permanentes. O menu de upgrades permite aumentar o poder de fogo, ampliar o escudo, adicionar slots de armas ou ganhar vidas extras.

A base de todo o combate está no sistema de escudo regenerativo. Em vez do modelo de morte instantânea, clássico no gênero, o jogador conta com uma barra de energia que se recupera gradualmente se evitar dano por tempo suficiente, tornando o jogo mais acessível e equilibrado. A mecânica de coleta de Solrium Gems (cristais verdes) aumenta o nível de poder das armas e da defesa, mas ser atingido reduz esse progresso. Além disso, as armas danificadas podem ser perdidas em combate e a troca delas é intencionalmente lenta, simulando o peso físico da nave e de seus módulos.

Do ponto de vista técnico, Earthion representa uma demonstração do limite do hardware de 1988. As fases utilizam múltiplas camadas de parallax scrolling, efeitos de scaling em chefes e sprites de grande porte, sem queda perceptível de desempenho. Há uso frequente de objetos em diferentes planos (fundo e primeiro plano), integrados de forma dinâmica à ação, com inimigos surgindo ao fundo, atravessando a tela e interagindo em tempo real, algo raramente alcançado no Mega Drive original.

As opções gráficas do menu permitem configurar filtros CRT avançados, com ajuste individual de curvatura, brilho, simulação de defeitos e scanlines. É possível reproduzir tanto a imagem limpa em pixels nítidos quanto o aspecto envelhecido de televisores da época, com deformações e descoloração nas bordas. É uma das mais completas implementações já oferecidas em emulações comerciais.

O que talvez mais tenha chamado a atenção nesse título, desde seu anúncio, é o envolvimento de Yuzo Koshiro, que dispensa apresentações. Seu trabalho na área de áudio do jogo sintetiza o máximo da placa Yamaha YM2612, com seus baixos pulsantes e timbres metálicos característicos do hardware, criando uma textura sonora maravilhosa, assim como de praticamente todos os títulos que ele se envolveu. Inclusive, o sistema de som inclui filtros analógicos configuráveis, que simulam resposta de alto-falantes antigos e efeitos de baixa frequência. E o jogo apresenta também voice samples e efeitos de impacto com forte presença.

Earthion pode ser concluído em cerca de uma hora, mas sua durabilidade real está no aprimoramento progressivo via senhas e nas variações de dificuldade. Os modos superiores aumentam densidade de inimigos e reduzem tempo de regeneração do escudo. É o típico jogo de aprendizado e execução contínua, que dominava os títulos nos anos 90. Apesar da dificuldade ser alta, ela é justa. Os padrões são fixos e previsíveis, e a memorização é parte do processo. As primeiras fases servem mais como adaptação da mecânica, e a partir da quarta fase que o jogo começa a pegar fogo. Além do modo principal, há também um modo que coloca o jogador em estágios de ondas infinitas para disputar pontuações online.

Earthion é um dos projetos mais sofisticados já concebidos para o Mega Drive desde o encerramento comercial da plataforma. A Ancient fez milagre, ao dialogar com as possibilidades reais de 16 bits. É um jogo tecnicamente exemplar, musicalmente notável e mecanicamente coerente. O sistema de escudo, os upgrades cumulativos e a ausência de salvamento automático constroem uma experiência rigorosa digna da terceira e quarta geração de consoles, sem concessões desnecessárias. Talvez, as únicas críticas ao jogo estão no balanceamento entre armas, e em estágios avançados o cenário pode confundir o jogador com limites pouco nítidos. Earthion é, sem dúvidas, uma demonstração de respeito à herança do Mega Drive.

Nota – 9,5

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